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Contos
Aniversário no Puteiro
Lá estava eu, dividindo o microfone com uma prostituta bêbada: "O seu futuro é duvidoso, eu vejo grana, eu vejo dor…".
Quando alguém assiste a um vídeo dos Beatles ou de outra banda em que os cantores dividem o microfone no palco, a sensação que se tem é de companheirismo, de que compartilhar um microfone é acima de tudo uma atitude de união.
Porém a realidade é completamente diferente, existe um elemento que acaba com toda essa fantasia, o bom e velho bafo.
Dividir o microfone significa compartilhar odores, que podem indicar o que a pessoa colocou na boca desde quando acordou pela manhã até a hora daquela canção, e acreditem em mim, aquela mulher tinha colocado muita coisa na boca naquele dia.
Por isso é que quando as bandas começam a ter mais estrutura, cada um canta no seu microfone e ninguém reclama disso.
Porém naquele puteiro só existia um microfone.
A idéia era que só ela cantasse, mas ela estava tão bêbada e cantando tudo errado, que eu tive que ajudar.
É mais ou menos o que os pobres músicos de Karaokê fazem.
O hálito daquela prostituta era recheado de mistérios que foram povoando minha mente com pensamentos nada ortodoxos, do tipo: "Quantos paus ela teria chupado naquele dia?".
Pensava também na cor e no tamanho das rolas... Será que aquele cheiro era porque alguém gozou na boca dela? Se gozou, será que ela engoliu ou cuspiu?
Tanta coisa na minha cabeça fez com que eu me esquecesse de ir para o si menor no refrão.
Fui resgatado para a realidade pelas sábias palavras do Cazuza, afinal, "quem tem um sonho não dança…".
Não bastasse o cheiro daquela boca, ainda tomei um esporro do Wallace, o cantor da banda:
- Porra Amu, que merda é essa de tocar "Bete Balanço"?
Ninguém tinha nada contra a música, ela apenas não estava no repertório, que era basicamente blues e classic rock (anos 50 e 60).
- Então... ela pediu, é que hoje é o aniversário dela...- expliquei.
- Aniversário porra nenhuma, essa mulher faz aniversário toda semana...
Nesse momento o Adão, que era o contrabaixista do grupo, me consolou:
- Eu também caí nessa Amu, relaxa - e continuou:
- Se liga, aqui existe uma regra que inclusive vale para você, o bar dá um drink de graça para quem faz aniversário no dia, mas tem que mostrar a carteira de identidade.
Depois de alguns meses trabalhando naquela casa, eu achava estranho que ninguém fizesse aniversário nos dias em que tocava, que eram sexta e sábado.
O real motivo disso só fui descobrir depois, como a maioria das prostitutas está horrível na foto da carteira de identidade e tem um nome muito diferente e normalmente bem mais estranho do que aquele que elas usam profissionalmente, elas preferiam abdicar do drink e manter a pose.
Mas teve um dia em que realmente celebrou-se um aniversário naquele puteiro e não foi de nenhuma das meninas que trabalhavam lá…
Parabéns!
Estávamos no meio do segundo set (de três) quando duas prostitutas trouxeram um bolo de chocolate, a vela em cima dele anunciava que teríamos um aniversário ali, embora ainda não fosse possível saber de quem.
Um gringo, dono de uma barriga avantajada, aproximou-se do bar e num português caótico, porém compreensível para quem trabalha no ramo do turismo, pediu para a garçonete uma garrafa de espumante, que chegou num belo balde metálico, cheio de gelo.
De repente um menino chega com a mãe, que se vestia de uma forma muito mais discreta de que o normal.
Era raro aparecer uma criança na Prado Júnior, essa é uma rua que parece ter sido feita sob medida para adultos e adúlteros, por isso estranhei aquele menino ali, o burburinho em volta dos dois era tanto que ficou claro que o aniversariante era um deles.
As atenções estavam mais voltadas para o garoto, o aniversário era dele e era só uma questão de tempo até que nos pedissem para tocar o "Parabéns".
Antes de começar, precisávamos de uma informação básica, o nome do aniversariante.
- Qual é o nome dele? - perguntou nosso vocalista.
- Rôla, o nome dele é Rôla - respondeu a mãe.
- Rôla? - num semblante sério Wallace confirmava a informação.
- É.
Nessa hora eu me virei para o Adão e falei:
- Como assim? Ninguém se chama Rôla!
- Pois é...- Adão estava tão perplexo quanto eu quando Wallace puxou no violão aquela versão do "Parabéns pra você", onde somente se repete uma frase:
"Parabéns para o Rôla
Parabéns para o Rôla
Parabéééééééééns para o Rôla
Parabéns para o Rôla"
Depois o ritual continuou com o tradicional "é big, é hora, rá-tim-bum…", até a consagração final, em uma das cenas mais poéticas que vi na vida, 15 prostitutas em trajes mínimos gritando em um entusiasmo juvenil, repleto de sentimentos verdadeiros:
-RÔLA! RÔLA! RÔLA! RÔLA! RÔLA! RÔLA! RÔLA! RÔLA!
Nada poderia ser mais erótico do aquele coral feminino gritando pelo falo do sexo oposto e sem qualquer intenção financeira...
Voltamos ao trabalho enquanto todos comiam o bolo e bebiam o espumante.
Depois que acabamos, nossas companheiras de trabalho nos ofereceram o bolo, que por sinal estava delicioso.
Do meu lado, brincando sozinho com o boneco do Homem de Ferro que tinha ganho de presente, estava o jovem Rôla.
Não resisti e fui conversar com aquele simpático menino:
- Parabéns!
- Obrigado...
- Qual é o seu nome mesmo?
- Rôla.
- E como é que se escreve?
Ele soletrou:
- R, O, L, A, N, D... RÔLA!
Troca-Troca
Clóvis carregou injustamente a fama de homossexual durante toda a sua adolescência, culpa do famigerado troca-troca...
Para quem não sabe, o troca-troca é uma prática milenar e é impossível datar com precisão sua origem, talvez ainda existissem dinossauros pela terra quando os meninos começaram com isso.
O troca-troca consiste numa "permuta anal" onde um menino dá o cu para o outro e depois de consumado o ato sexual eles invertem os papéis, daí o termo "troca-troca".
Debates acadêmicos afirmam que o troca-troca, embora ocorra entre dois elementos do sexo masculino, não consiste em homossexualismo.
O que diferenciaria o troca-troca de uma prática homossexual seriam os atores neles envolvidos, que por se situarem numa faixa etária de 10 a 13 anos, estariam muito mais envolvidos com a descoberta de seu corpo do que claramente desenvolvendo desejos homossexuais.
Sem se preocupar com definições científicas, o seu corpo muda e inevitavelmente a puberdade chega…
Para aquelas crianças do Méier, a puberdade surgiu em meio a um cenário complicado, os meninos de 11 anos mal tinham dinheiro para comprar Baré-Cola e qualquer prostituta barata era algo impensável para seus bolsos vazios, as poucas meninas que moravam na rua ou ainda brincavam de boneca, ou só tinham olhos para os meninos mais velhos.
O troca-troca surgia então como uma opção cada vez mais concreta.
Embora a idéia do troca-troca fosse algo facilmente concebível na cabeça da garotada, na prática era tudo bem diferente e 90% das vezes essas práticas sexuais não se concretizariam por uma simples razão, ninguém queria ser o primeiro a ser comido.
A negociação para ser o primeiro a ser enrabado era extremamente complicada, quase no mesmo nível das negociações entre Israel e a Palestina e simplesmente porque nenhuma das partes queria ceder, a maioria das permutas anais não acontecia.
Era basicamente uma questão de confiança, ninguém confiava que o outro fosse depois honrar o compromisso de dar o brioco, e convenhamos, é realmente complicado confiar algo a um menino de 11 ou 12 anos, ainda mais algo tão valioso quanto o próprio cu.
Para dificultar mais ainda as coisas, existia um "ditado" que dizia que o primeiro a dar no troca-troca é viado…
Sim, o primeiro podia ser viado, ser inocente ou ser simplesmente alguém que confiava na palavra do outro.
Mas uma coisa era bem clara, o menino que PEDIA para ser o primeiro, esse com certeza se revelaria homossexual no futuro.
Mas voltemos ao Clóvis…
Jogávamos bolinha de gude, eu, o Michel e o Eduardo, quando em determinado momento o Edu nos olhou nos olhos e disse:
- Aí, não falem para ninguém não, mas eu comi o cuzinho do Clóvis!
Michel de imediato perguntou:
- Fez troca-troca?
- Não, ele aceitou dar primeiro, quando chegou a minha vez eu falei que não ia dar e sai correndo…
Eu olhei decepcionado para o Eduardo, afinal, ele não só se portou como um canalha por não ter honrado seu compromisso, mas também por falar para outras pessoas que comeu o Clóvis, desrespeitando a privacidade sagrada do troca-troca, um segredo que a maioria das pessoas leva para o túmulo.
Daquele momento em diante, sempre tive um pé atrás com o Eduardo, porém alguns dias depois eu iria me decepcionar ainda mais com o Michel, esse sim se revelou um verdadeiro traíra…
Sabendo da ingenuidade de Clóvis, Michel conseguiu convencê-lo a fazer um outro troca-troca e a novamente ser o primeiro.
Não sei se para isso ele se utilizou apenas de sua lábia ardilosa ou se também ameaçou o Clóvis de espalhar para todos que o Eduardo o tinha enrabado, o fato é que pela segunda vez na vida o Clóvis deu seu cu e não comeu ninguém…
Embora todos esses "segredos" tenham sido ditos acompanhados da frase: "…mas não fala pra ninguém…", é lógico que as histórias vazaram e o Clóvis ficou com fama de viado por muitos anos, o que só foi mudar tempos depois quando ele arrumou uma namorada séria, embora no fundo muita gente ainda achasse que ele poderia ser gay mesmo.
Saí do Méier há muito tempo atrás e quase todos os meninos se mudaram daquela rua, levando seus segredos pelo mundo.
Reencontrei o Clóvis virtualmente pelo Facebook ano passado, ele está casado e com dois filhos, vi fotos de sua família no computador, todos vestidos de verde e amarelo numa manifestação a favor do impeachment na praia de Copacabana, eles me pareceram uma família muito feliz.
Ele é 100% pelo afastamento da presidente, numa postagem em sua linha do tempo, comentei com ele que se o motivo do impeachment fosse corrupção, era injusto tirar a Dilma e deixar o Temer, o Cunha e o Renan…
Clóvis me respondeu numa inocência que me fez lembrar os velhos tempos:
- Meu amigo, PRIMEIRO a gente tira a Dilma, DEPOIS tiramos o Temer, o Cunha, o Renan e quem for necessário!
É Clóvis…o tempo ensina, aprende quem quer...
Pam Morrison
- E aí vamos nessa? - Roberto me perguntou por telefone.
- Cara, eu tô com uma infecção urinária sinistra, dói pra caralho quando eu mijo, mas vamos nessa, meia-noite na porta da Bunker?
- Marcado!
Era um sábado à noite e ia ter festa de rock na Bunker, uma boite em Copacabana.
O bom senso me recomendava a ficar em casa, afinal aquela maldita infecção urinária incomodava muito, embora eu já tivesse ido ao médico e já estivesse tomando Sepurin, um remédio que aliviava a dor e deixava o mijo azul.
O problema é que eu trabalhava numa videolocadora e ficava a semana inteira sonhando com o sábado à noite.
Acho que existe uma regra para o sábado, quando mais merda é o seu trabalho, mais você valoriza o sábado e eu devo dizer que eu valorizava muito o sábado.
Encontrei com o Roberto na porta da Bunker e tomamos a primeira cerveja no boteco do lado, era bem mais barato e em garrafa de 600ml, isso era uma tradição, encher a lata antes de entrar para gastar menos dentro da boite.
Entramos depois de umas três garrafas de Skol.
Offspring, Green Day, Nirvana…eram os anos 90!
A noite começa a melhorar quando uma menina quase ruiva começa a trocar olhares comigo, coincidentemente uma das amigas que estava com ela era amiga do Roberto…
- Oi, tudo bem? Legal esse lugar - falei como se não fosse quase toda semana na Bunker.
- É - foi uma resposta seca, mas como veio acompanhada de um sorriso, me incentivou a continuar.
- Qual o seu nome?
- Pam.
- Pam?
- É.
- Bonito nome!
- Na verdade meu nome é Cristina, mas todos me chamam de Pam, por causa da Pam Morrison.
- Pam Morrison?
- A mulher do Jim Morrison, dizem que eu pareço com ela, não só fisicamente mas também na loucura…
Aquele "na loucura" me soou estranho, mas ela era uma gata e valeria a pena entender o que era essa loucura.
A partir daquele momento eu incorporei o "jeito Jim Morrison de ser", me baseando totalmente na atuação do Val Kilmer no filme do Doors dirigido pelo Oliver Stone.
Eu estava todo de preto e isso me ajudava na interpretação, se ela era a "Pam", ela provavelmente iria gostar que eu fosse o "Jim".
Busquei falar pouco e de forma enigmática, como quando ela me perguntou:
- Você trabalha com o quê?
- Cinema... - eu não menti, afinal os filmes da locadora que eu rebobinava e alugava eram feitos para o cinema!
- Que máximo, adoro cinema!
- É? Então você me adora, porque o cinema é minha vida…- essa fala eu também considero verdadeira, eu trabalhava de segunda a sábado na locadora, ou seja, minha vida acontecia naquele estabelecimento.
E trocamos nosso primeiro beijo.
Papo vai e papo vem, eu comecei a entender a loucura da Pam, que também poderia atender pelo nome de "alcoolismo".
Ela bebia vodka pura e sem parar.
Depois de algumas horas, amigos e amigos de amigos foram se agregando e já formávamos um simpático grupo de dez pessoas quando alguém disse:
- Gente, os meus pais viajaram e eu estou com o apartamento livre, vamos continuar a noite lá?
Fomos todos.
Eu estava bebendo pouco, dava uma bicada na vodka da Pam de vez em quando, não queria ir muito ao banheiro para não passar pelo doloroso ato de ter que mijar, aliás, estava quase na hora de tomar meu remédio.
No apartamento a trilha sonora era praticamente a mesma da Bunker, o apê era um três quartos e não foi difícil arrastar a Pam para a suite da casa.
Começamos a nos beijar sentados na cama de casal, eu já tinha um seio da Pam em minhas mãos quando ela disse:
- Cara, eu tô ficando sóbria…eu preciso ficar mais doida, vamos lá na sala ver se alguém tem alguma coisa, eu queria mesmo era tomar um ácido…
No meu íntimo, eu sentia que se aquele seio da Pam com o bico rosado voltasse para dentro da blusa nada mais iria rolar entre nós dois naquela noite, daí tive uma idéia que poderia funcionar:
- Gata, você é mesmo uma mulher de sorte…
- Por quê?
- Eu tenho um ácido maravilhoso comigo…
Pam abriu um sorriso lindo, quase angelical.
Enfiei a mão no bolso e peguei o meu remédio para infecção urinária, eu tinha dois comprimidos envoltos num papel higiênico que aguardavam para serem engolidos de oito em oito horas.
- Então Pam, esse ácido não é muito forte, ele é leve, mas vai te dar uma onda bem gostosa mesmo…
- Não é forte?
- Não, é tranquilo!
Daí ela pegou os dois comprimidos, e rapidamente os colocou na boca, sorrindo enquanto os engolia com vodka.
- Pô, você pegou os dois! - disfarcei uma insatisfação por ela ter tomado os dois comprimidos, embora eu realmente precisasse mais deles do que ela.
Tranquei a porta do quarto e começamos a tirar nossas roupas, Jim e Pam incorporaram em nossos corpos e fizemos amor com as bênçãos dos deuses do rock… só que não foi bem assim…
A verdade é que o meu pau começou a arder horrores, a cada penetração a camisinha parecia estar pegando fogo, achei até que não conseguiria continuar com aquela trepada por muito tempo...
Pam, por outro lado, curtia o efeito placebo, achava que tinha tomado um ácido e estava feliz por isso, mas o sacolejo de nossos corpos aliado a quantidade absurda de vodka que ela tomou, não lhe fizeram muito bem:
- Vai mais devagar, não mexe muito não que eu estou com vontade de vomitar…
Quando ouvi isso, fiquei tenso, eu sou daqueles que se vê alguém vomitando, vomita junto, provavelmente isso é algum tipo de solidariedade…
Procurei não mexer muito o corpo e consegui gozar antes da Pam vomitar, ela não reclamou disso.
Nos deitamos abraçados e acabei caindo no sono.
Mais ou menos uma hora depois ela me cutuca:
- Cara, que ácido é esse que você me deu! Eu nunca tomei nada igual, eu fui no banheiro e vi o meu mijo azul!
- Não falei que era bom? É uma onda diferente, fica tranquila…- nessa hora bateu uma preocupação e percebi que era melhor voltar para casa o mais rápido possível.
Pam iria mijar azul pelo resto do dia e ia sacar que esse era o único efeito do "ácido" que ela tomou.
Dei uma última olhada para aquela ruiva de cabelos lisos e nariz arrebitado dormindo na cama e sai do quarto, chegando na sala dois caras jogavam Mario Kart e me convidaram para se juntar a eles e embora eu me amarrasse nesse jogo, inventei uma desculpa para sair logo dali, antes que a Pam acordasse.
Enquanto esperava o ônibus para o Méier, bateu uma crise de consciência por ter enganado ela, mas como o Sepurin não tem nem faixa vermelha fiquei tranquilo.
Anos depois reencontrei Pam Morrison, mas essa é outra história…
Entrevista de Emprego
Jeferson estava cansado, entrevistava há horas candidatos para uma vaga na empresa em que trabalha, a ShitHills Connections.
Por ter tido uma formação em psicologia antes de se tornar economista, a direção da empresa o escolheu para essa função.
As perguntas, previamente formuladas por uma equipe de consultoria, eram bem básicas: "Porque você quer trabalhar na nossa empresa?", "Quais são suas ambições como profissional?", porém, havia uma pergunta na lista que deixava Jeferson profundamente aborrecido, a clássica: "Qual é o seu maior defeito?".
Quando não diziam que seu maior defeito era "ser perfeccionista", como se isso fosse um defeito, todos respondiam da mesma forma: "O meu maior defeito é me doar demais ao trabalho e isso muitas vezes prejudica a minha vida particular..".
Essa resposta parece ter sido ensinada em cursos para desempregados, Jeferson simplesmente fica louco quando ouve isso, como poderia alguém gostar tanto de trabalhar para uma merda de empresa a ponto de prejudicar sua vida? Se alguém age assim com certeza deve ter sérios problemas mentais e não deveria andar solto pelas ruas, deveria estar num hospício.
Jeferson esperava não ouvir mais essa resposta, mas ele ainda deveria entrevistar o último candidato…
- Boa tarde, qual o seu nome?
- Boa tarde senhor, eu sou o Marcelo.
E começou a série de perguntas, uma a uma até chegar na fatídica:
- Eu quero que você me responda com sinceridade, sinceridade mesmo, qual é o seu maior defeito?
- Senhor, o meu maior defeito é que eu me dôo muito ao trabalho, eu me entrego de corpo e alma para a empresa e isso muitas vezes atrapalha a minha vida em família, minha esposa reclama, mas eu não consigo retornar para casa tranquilo se eu não dei o melhor de mim no meu trabalho.
Jeferson enlouqueceu com aquela resposta, pensou em perguntar como aquele cara que gosta tanto de trabalho foi demitido de seus empregos anteriores, mas não quis ser grosseiro.
- Compreendo e gostamos de pessoas que se entregam, como você disse, "de corpo e alma" para a empresa, e você está me afirmando ser esse tipo de pessoa…
- Com certeza senhor, eu sou assim!
- Você sabe que às vezes terá que ficar até tarde da noite na empresa, aqui não é emprego público…
- Sem problema senhor, se for necessário para a empresa.
- Você sabe que a ShitHills é uma multinacional e que trabalhamos com volumes absurdos de dinheiro, você sabe o tamanho dessa responsabilidade?
- Eu imagino senhor e me sinto apto à partilhar dessa responsabilidade com a empresa.
Jeferson já estava com raiva daquele mentiroso sentado em sua frente, mas não podia transparecer isso em seu rosto, talvez tenha sido esse sentimento reprimido, aliado ao cansaço, que levaram o entrevistador a algum tipo de surto psicótico…
- Então - continuou Jeferson - quando ficamos até tarde da noite para fazer o balancete da empresa existe muita tensão envolvida e às vezes precisamos aliviar essa tensão…
- Como assim?
- Antigamente nós chamávamos umas protistutas, mas agora colocaram câmeras de vigilância no prédio e também os computadores da empresa são bloqueados para pornografia…você sabe o quanto uma boa gozada relaxa o ser humano e o ajuda a tomar decisões importantes?
- Entendo senhor…- Marcelo estranhava a conversa, nunca tinha ouvido isso em uma entrevista de emprego.
- Que bom que você é uma pessoa inteligente e entende, precisamos de profissionais assim, então vou direto ao ponto… para colaborar com a empresa, você chuparia o pau da diretoria nessas ocasiões de tensão? Não de todos, só dos mais estressados…isso ajuda muito nas decisões da ShitHills.
- Não acredito que o senhor esteja me propondo isso!
- Acho que você me disse que se entregava de "corpo e alma" para a empresa…eu ouvi "corpo", não ouvi?
- Mas não quis dizer isso, quis dizer dedicação!
- Quer dedicação maior do que essa? Eu compreendo Marcelo, o mundo corporativo não é para qualquer um, talvez o seu perfil seja mais para funcionário público, vai abrir concurso para o INSS, o salário é quatro mil e quinhentos reais, é um terço do que você iria ganhar aqui, mas exige bem menos dedicação…
Pense bem rapaz, treze mil líquido não é para qualquer um, por cinco mil de salário iria ter uma fila de dez quilômetros na porta para chupar o pau dos nossos diretores…
Marcelo pensou bem, era muito dinheiro e ele estava desempregado há dois anos.
- Tudo bem eu topo, entendo que isso vai ajudar a empresa a prosperar...
- Que bom! É desse tipo de dedicação que nós gostamos aqui na ShitHills Connections!
Então Jeferson se levantou da mesa, ficou do lado de Marcelo e abriu o zíper:
- Então vamos lá, pode começar, mas sem viadagem, não confunda as coisas, isso não é um ato sexual, é um ato corporativo.
- Como assim? Eu ainda nem sou contratado! Não vou chupar não!
- Que pena! Por um momento achei que você tinha o perfil ideal…
Nesse momento Marcelo olhou para Jeferson com um olhar de reprovação e começou a chupar seu pau.
- Isso! Sem viadagem, segura essa rola como homem, vou te dizer uma coisa, a diretoria da Shithills não gostaria de ter um viado entre eles!
Eu escutei um gemido? Se for gemer geme grosso, geme que nem homem!
O único gemido que se ouviu naquela sala não foi muito grosso e veio da boca de Jeferson quando ele gozou…
- Eu sabia que você era viado…lamento, a gente não gosta de trabalhar com viado, não é uma questão de preconceito, é que a gente não se sente à vontade... - disse Jeferson.
- Como assim? Eu não sou viado não! Quer ver eu quebrar sua cara agora?
- Você engoliu minha porra, engolir porra é coisa de viado, homem que é homem, cospe!
Por alguns segundos Marcelo ficou quieto, perplexo com a situação e se sentindo usado, mas pensou bem e continuou:
- Não engoli por que sou viado, engoli porque não queria sujar esse lindo carpete da empresa, como eu lhe falei, a empresa vem em primeiro lugar…
O argumento de Marcelo deixou Jeferson sem saída:
- Boa resposta rapaz, você passou nessa etapa da seleção, semana que vem você volta na quarta.
- Como assim? Achei que a entrevista era a última etapa!
- Rapaz, treze mil líquido é muito dinheiro, houveram muitos candidatos e será necessário uma segunda entrevista.
- Ok, semana que vem eu volto...alguma dica para essa nova entrevista?
- Traz um KY, pode ser útil...
Índio quer apito e a Deborah Secco
Aquele pé-sujo no Catete era frequentado por todo tipo de figura exótica, mas eu nunca esperava ver um índio ali, fiquei tão surpreso que perguntei ao Seu Jonas, o dono do estabelecimento:
- Vocês vendem cerveja para índio?
- Para índio, preto, viado, branco, aqui não tem preconceito não! Sai daqui com esse seu preconceito!
- Mas não é preconceito, achei que fosse proibido por lei vender bebida alcoólica para índio…
- Não existe essa lei não, onde já se viu isso? Eu já te disse, aqui todos são bem-vindos, contanto que paguem.
Parecia que o Seu Jonas não sabia, ou não queria saber.
Visivelmente aquele índio não tinha muita intimidade com o álcool e após alguns copos ele começou a falar pelos cotovelos…
A HISTÓRIA DE PAYATU
Payatu veio de uma pequena aldeia no Mato Grosso, uma aldeia que já tinha sido "agraciada" com a chegada da energia elétrica.
Essa energia fluía por uma tomada até um aparelho de TV em cores que ficava sintonizado o tempo todo na Rede Globo, a única emissora que pegava com alguma qualidade.
Curiosamente, na noite do dia 19 de abril de 2000, a Globo iria exibir uma minissérie chamada "A invenção do Brasil", um besteirol sobre portugueses chegando ao Brasil e conhecendo belas índias.
Por ter "índios" no elenco, a tribo toda assistia atenta ao primeiro episódio e Payatu era quem se sentava mais perto da televisão.
Quando apareceram na tela as índias Moema e Paraguaçu, interpretadas respectivamente pelas atrizes Deborah Secco e Camila Pitanga, a cabeça de Payatu entrou em parafuso, ele nunca tinha visto índias tão belas…
No intervalo comercial, Payatu olhou à sua volta e observou todas as mulheres da aldeia, muitas lindas, mas nenhuma tão linda quanto Moema ou Paraguaçu.
Assim que acabou o episódio, Payatu, de pau duro, correu para o meio da mata e com aquelas imagens fervilhando em sua cabeça, se masturbou freneticamente.
Depois que gozou ele sentiu algo estranho, como se uma voz lhe dissesse: "Moema e Paraguaçu…elas são o caminho para sua felicidade…".
Na noite seguinte, ao final do segundo episódio, Payatu decidiu que iria para o Rio de Janeiro tentar encontrar Moema e se não fosse possível, se contentaria sem problemas com Paraguaçu.
Traduzindo, se não rolasse a Deborah Secco, servia a Camila Pitanga. Pode até parecer muita pretensão, mas na época em que "A invenção do Brasil" foi exibida, comemoravam-se os 500 anos da descoberta do país, o índio estava na moda, Payatu era conhecido como um dos melhores arqueiros de sua tribo e o século XXI estava chegando, as estrelas olhavam com carinho para aquele jovem índio sonhador.
Com vergonha de revelar o real motivo pelo qual iria para o Rio de Janeiro, Payatu mentiu para o cacique de sua tribo, dizendo que iria visitar um amigo.
- Vá para o posto de FUNAI, lá eles irão lhe orientar como chegar em Rio de Janeiro - disse o cacique.
- Meu cacique...Payatu não quer nada com FUNAI, não gosta de FUNAI! - descartou a ajuda da entidade com veemência.
- É verdade jovem Payatu, foda-se a FUNAI!
- Foda-se a FUNAI!
Juntou algumas peças de artesanato indígena para vender na cidade grande e decidiu pegar carona com um amigo caminhoneiro até o Rio de Janeiro.
Chegando na Cidade Maravilhosa, Payatu se hospedou no lugar mais barato que encontrou, uma pensão entre o Catete e a Glória.
Na recepção da pensão havia um exemplar da revista Contigo, com fotos de Paraguaçu e Moema e ao lado delas, os nomes das atrizes. Agora Payatu já sabia por quem ele deveria procurar na Globo.
Payatu roubou a revista da recepção e foi para o banheiro homenagear mais uma vez as atrizes globais.
Depois que gozou sentiu algo parecido com o que tinha sentido na mata e olhando para aquela revista melada em suas mãos, sentiu que estava no caminho certo, como se fosse guiado por energias superiores.
No dia seguinte pegou um ônibus para Jacarepaguá e quando chegou no PROJAC, a recepção não foi muito calorosa:
- O que o senhor deseja?
- Mim Payatu, quero ser ator, ir para a novela "A Invenção do Brasil"!
- Amigo, isso era uma minissérie de três capítulos, já acabou…você conhece alguém aqui?
- Payatu quer atuar em novela de índio!
Tem novela de índio? Com Deborah Secco? Mas serve também Camila Pitanga…
- Amigo, não é assim não, não posso deixar você entrar não...
- Payatu não é índio falso, Payatu índio verdadeiro, novela não tem índio verdadeiro, olha o que Payatu sabe fazer…
E para mostrar o seu talento, Payatu tirou da bolsa seu arco e flecha.
Assustado, o segurança imediatamente se trancou na portaria, abaixou-se e pelo rádio chamou reforços para conter aquele índio que ameaçava sua vida.
Payatu mirou uma fina árvore e nela atirou uma flecha certeira.
- Viu? Payatu é índio de verdade e quer ser ator!
Deixa eu entrar para a novela? com Deborah Secco? Mas serve Camila Pitanga…
Menos de dois minutos depois Payatu estava cercado por dois policias com armas na mão.
- Você está preso! - falou um policial enquanto o algemava pelas costas.
- Acho que como ele é índio temos que falar com a FUNAI- emendou o parceiro.
Prontamente Payatu respondeu:
- FUNAI não! Payatu não quer nada com FUNAI!
Então levaram Payatu para a delegacia mais próxima.
Na delegacia, Payatu ficou algemado num pequeno cômodo ao lado da sala do delegado, que nem um pouco acostumado a prender índios, falou:
- Olha, estamos esperando para ver se alguém da Globo vai registrar a queixa, se ninguém vier a gente te solta.
O problema é que já está anoitecendo e eu não posso te deixar passar a noite nessa sala, se ficar aqui terá que ir para a carceragem e acredite, isso não é nada bom, tem uma bandidagem pesada lá...
O ideal seria que esse caso passasse pela FUNAI, mas como você não quer…
- Não tem problema, não quero nada com FUNAI- respondeu Payatu.
Algum tempo depois ouviu-se um barulho na delegacia, vinha da carceragem e parecia a comemoração de um gol de futebol...
- Que barulho é esse? - perguntou o delegado para um policial assistente.
O policial, olhando para Payatu, explicou ao delegado:
- Chefe, quando a bandidagem soube que tem um índio aqui eles ficaram malucos, não aguentam mais comer cú cabeludo e como índio não tem pelo, eles são só alegria...
Depois que passou aquela minissérie da Globo então, a galera tá louca, louca para comer uma indiazinha, já que não tem Deborah Secco nem Camila Pitanga, serve esse Payacú, como é mesmo o seu nome rapaz?
- FUNAI! FUNAI! CHAMA A FUNAI! DIREITO DOS ÍNDIOS! EU TENHO DIREITO À FUNAI! - berrava Payatu histericamente.
O Encosto
- Amu, eu estou te ligando para dizer que a Mariana está a fim de você…- Marlon me pegava de surpresa.
- Sério? Achei que ela estava mais na sua onda, afinal ela se amarra em misticismo…
- Não Amu, eu estou ficando com a Márcia e ela comentou isso comigo, mas não fala que eu te disse.
- Claro que não!
- Sábado eu vou fazer um evento aqui em casa, só nós quatro, você pode?
- Com certeza! Já estou aí!
Eu sei que muita gente acha legal a conquista e coisa e tal, mas quando você já sabe que tudo está armado, é bem melhor…
Marlon era o vocalista de uma banda cover em que eu tocava, não era músico profissional, ganhava a vida fazendo todo tipo de atendimento espiritual, jogava Tarot, aplicava Reiki, lia a mão, enfim, dedicava sua vida à essa área.
Era um tremendo galinha, como eu tinha acabado de me separar e estava extremamente solitário no Rio de Janeiro, ele se tornou meu parceiro nas noites cariocas.
Conhecemos Mariana voltando do "Laranjada", um bloco de carnaval que achamos em Laranjeiras, hoje quem vê os mais de 500 blocos que saem no carnaval de rua do Rio, não consegue imaginar que no começo dos anos 2000 haviam pouquíssimos na cidade e que tinha que procurar muito para não parar na depressiva "Banda de Ipanema".
Sentamos numa birosca perto da sede do Fluminense e na mesa ao lado, Mariana ostentava um símbolo místico tatuado em suas belas costas.
O símbolo, logo reconhecido por Marlon, foi o pretexto para a aproximação e a conversa acabou rapidamente descambando para uma consulta espiritual.
Nessa conversa Mariana falou de várias coisas, inclusive de uma energia que a acompanhava de outras vidas, energia essa que a mediunidade de Marlon logo percebeu, alguém com quem ela foi casada em outra encarnação.
A semente da amizade estava plantada e duas semanas depois eu e Marlon saímos com ela e mais algumas amigas, dentre elas a Cláudia. Como Mariana tinha esse lado místico que interagia tão bem com Marlon, achei melhor mudar meu foco para outra pessoa e pouco falei com ela naquela noite.
Talvez tenha sido a minha esnobada não intencional que a conquistou, afinal ela era muito bonita e provavelmente não é esnobada por ninguém, pode ser a velha máxima: "Mulher é igual empréstimo de banco, só consegue quem não parece estar precisando…".
Cheguei na casa de Marlon em Santa Teresa logo após as 20hs e os três já estavam lá. Além deles, estava também o vizinho francês, que esperava a esposa e filha voltarem de uma festa infantil, senti logo que ele não seria um obstáculo em relação à Mariana.
- Amu, ele faz um drink maravilhoso, experimenta só! - disse Marlon.
- O "drink" consistia em misturar rum e suco de caixinha, mas o gringo fazia uma pose de barman conceituado enquanto misturava os dois.
Embora uma criança de cinco anos conseguisse preparar aquele drink, ele não deixava ninguém fazer para não "dar erádo".
A noite estava sendo boa e de tudo iria rolar, mas o suco de caixinha acabou…
Nessa hora Marlon levantou a bola para eu cortar:
- Amu, você vai com a Mariana comprar cerveja?
- Claro! - respondemos em coro, eu e ela.
Pegamos então alguns cascos e saímos pelas ruas de Santa atrás de um boteco, o papo fluía e entre sorrisos e trivialidades a noite estava perfeita.
Retornamos e ao abrir a porta, vimos Marlon sentado no sofá da sala, com uma expressão estranha em seu rosto.
- Tudo bem Marlon? - perguntei enquanto Mariana foi encontrar Cláudia no quarto.
- Tudo - ele respondeu em voz baixa.
Acho que Mariana pensou o mesmo que eu, que os dois tinham brigado em sua recente relação.
Como Marlon não parecia querer conversar eu coloquei as cervejas no congelador e segui para o quarto.
- Então Cláudia, o Marlon está estranho, aconteceu alguma coisa ou é efeito do drink do gringo?
- Amu, eu não sei, eu fui na sala e vi ele mexendo na bolsa da Mari, nesse momento ele já estava diferente.
Na cozinha, enquanto abria uma cerveja, escutei um voz estranha vindo da sala…
Fui ver o que era e quando cheguei lá, Marlon estava esquisito, urrando como um animal, com uma voz bem grave e diferente da dele.
- Tudo bem Marlon?
- RÁÁÁÁÁÁÁ- ele me respondeu.
- O que houve cara? Quer uma cerveja?
- EU QUERO UM FRANGO BEM SANGRENTO!!!!!!
Nessa hora fiquei em pânico, era visível que um espírito tinha baixado em Marlon, que ironicamente era a única pessoa no apartamento capacitada para lidar com aquela situação.
- Está êncorporrádo - falou o francês com sotaque.
- Não tem frango…- até hoje me pergunto porque respondi isso.
- ELA É MINHA!!! CHAMA ELA AQUI! - berrou o encosto.
Após ouvir essa frase, me lembrei daquele papo que tivemos quando conhecemos Mariana, a entidade (ex-marido) que a persegue desde a outra encarnação estava encorporada no coitado do Marlon.
Isso era muito surreal, então decidi chamar a Mariana no quarto.
Quando cheguei lá, fui recebido pelo olhar de pânico das duas.
- Mariana, o seu ex está lá na sala querendo conversar com você…- eu disse, sem saber escolher melhores palavras.
Nós três tivemos um curto e histérico debate para decidir se iríamos para a sala ou se nos trancávamos no quarto até o encosto sair do corpo de Marlon.
Mas como já vi em vários filmes de terror americanos, achei que era melhor dialogar com o espírito:
- Mari, é a chance de você resolver essa história, é a primeira vez que você pode conversar com ele e tentar resolver essa questão, uma questão que vocês trazem de outra vida!
Decidimos então enfrentar a realidade, nós três nos abraçamos fortemente e tremendo fomos para a sala a passos de tartaruga.
Quando estávamos a uns três metros de distância do espírito, Mariana perguntou?
- O que você quer de mim?
- VOCÊ É MINHA E DE MAIS NINGUÉM!
Senti que o encosto estava me mandando um recado, aquilo estava ficando pessoal e aquela noite que ia ser maravilhosa se transformou num inferno.
O gringo correu para a casa dele e segundos depois retornou com um sino, que começou a tocar em cima da cabeça do Marlon/encosto.
- Que porra é essa? - perguntei.
- É sinô que trocê de Tibet, afasta maus espiritôs - me respondeu enquanto balançava o artefato.
O diálogo entre o "casal" acontecia sem muito avanço:
- O que eu fiz para você?
- EU TÔ TE ESPERANDO DO LADO DE CÁ!!!!
Em determinado momento Marlon caiu no chão e começou a se debater como se estivesse tendo um ataque epiléptico, nessa hora pensei em chutar aquele encosto filho da puta, a minha dúvida era se chutava no rosto ou no estômago aquele canalha que acabou com a minha foda da noite…
Pensei melhor quanto ao chute, afinal, quando o encosto "desencostasse" as dores ficariam no corpo do meu amigo.
Essa minha tensão tinha que ser extravasada de alguma forma e isso aconteceu com um berro:
- Puta que pariu! Para com essa porra de sino! - falei com uma raiva que foi compreendida pelo gringo, que logo parou.
Enquanto isso no chão, uma voz murmurava:
- Mariana, sou eu, o Marlon, eu voltei!
Mariana se abaixou para ouvir algumas informações em seu ouvido e chorava ainda mais com o que ouvia.
Depois do espírito ruim, foi a vez de nossa tensão ir aos poucos deixando a sala.
O que Marlon disse a Mariana, foi que o espírito encarnou nele para pegar algumas fotos que ela tinha na bolsa e com elas fazer magia negra, para ela ser infeliz nessa vida, ou até mesmo morrer logo para que ele a encontrasse mais rapidamente "do outro lado".
A noite acabou, todo e qualquer clima entre nós dois foi carregado para uma outra dimensão.
Concordamos que Mariana deveria ver algum centro espírita ou similar para resolver essa situação o mais rápido possível, como Marlon conhecia tudo nessa área, indicou uma médium poderosíssima em Botafogo.
Deixei Mariana em casa, como ela estava muito assustada, pediu para Cláudia dormir com ela, inicialmente era para eu estar ali, mas paciência…
Na semana seguinte, liguei para ela na terça:
- E aí Mari, foi no centro espírita?
- Ainda não Amu, o Marlon está sempre enrolado e sem horário, se ele não conseguir um tempo essa semana eu vou sozinha.
Ligo novamente na sexta:
- E aí Mari, foi lá?
- Fui sozinha Amu e sabe o que ela me disse?
- Nem imagino.
- Na verdade o que aconteceu foi que o seu "amigo" estava mexendo na minha bolsa para me roubar e quando a Cláudia pegou ele em flagrante ele criou aquele teatro todo, dizendo que ia pegar minhas fotos na bolsa para fazer magia negra, ele queria era meu dinheiro…
- Caraca…e o papo do espírito?
- Não existe espírito, quando eu tinha 20 anos alguém que eu mal conhecia me falou isso e eu tomei como verdade, no dia em que eu conheci vocês contei essa história para o Marlon, que se aproveitou disso.
- Que coisa sinistra!
- É Amu, ele é um pilantra, a médium o conhece e falou que ele realmente tem uma mediunidade, mas a usa muitas vezes para o mal, para se aproveitar das pessoas.
Nesse telefonema eu saquei que nada mais iria rolar entre nós, como eu era amigo do Marlon ela sempre teria um pé atrás comigo, poderia até achar que eu compactuava com a situação, uma pena.
Antes mesmo de desligar o telefone alguns fatos me vieram à cabeça, lembrei-me de que Marlon já tinha sido acusado de roubar um aparelho de DVD de uma amiga dele, alguém levou o DVD mas esqueceu o controle remoto, dias depois ele apareceu com um DVD idêntico ao roubado, mas sem o controle remoto…
Outra vez ele "importou" uma menina do interior de Minas que conheceu num site de namoros, era para ela ficar um final de semana, mas como o dinheiro dela misteriosamente sumiu dentro da casa dele, ela teve que ficar mais alguns dias até a família dela enviar o dinheiro para a passagem de volta.
Meus olhos estavam tristemente abertos para o meu amigo.
Magoado por ter sido enganado, liguei para ele para esclarecer a situação:
- Amu, você está me acusando de roubo sem provas, isso é crime e eu posso processar você baseado no artigo tal, inciso tal, do ano tal, do código penal…
Ninguém sabe tantos detalhes sobre o assunto se não for advogado e ele não era.
Aquela enxurrada de informações me fez concluir que ele já tinha sido acusado de muita coisa no passado e que tinha realmente culpa no cartório.
Nos afastamos, o que é uma pena, eu achava ele uma figura legal e foi meu parceiro numa época da minha vida.
Mas sem confiança não dá para ser amigo e nem tocar junto, embora eu não tenha reparado a falta de nada na minha casa e ele foi nela algumas vezes.
Raramente reencontro Marlon pelas ruas do Rio e quando isso acontece é sempre bacana, não consigo ter mágoa dele, sei lá, talvez seja uma coisa de vidas passadas…
Éguas adoram preliminares
Numa agradável noite de verão eu jogava cartas com meus novos amigos, Sol, Jackson e Joílson, em uma simpática e pequena cidade da Bahia.
Eu tinha um olho nas minhas cartas e o outro num cavalo que se aproximava por trás de Sol, o cavalo chegava cada vez mais perto e era visível que ele vinha em nossa direção…
- Olha quem tá aí! - disse Jackson, gargalhando.
O cavalo parou do lado de Sol e se abaixou para cheirá-lo.
Sol, visivelmente incomodado, o empurrava dali, mas o cavalo insistia em roçar sua cabeça nele.
- Xonô! Xonô, a égua tá xonada!! - dizia Joílson enquanto se esbaldava de rir.
Eu não entendia porque os dois riam tanto enquanto Sol estava tão sério, então falei para Jackson:
- Não estou entendendo essa graça toda…
- Amu, é a égua do Sol!
- Ele é dono dela, qual o problema?
- Ela não é dele não…, quer dizer, ela é a namorada dele…e tá apaixonada!!!!!
Sol era casado com uma mulher bonita e tinha três filhos, a idéia dele fazer sexo com aquele animal era totalmente impensável para mim.
Depois de muito esforço ele conseguiu expulsá-la dali.
O vendedor do quiosque em que estávamos jogando tentava segurar o riso enquanto trazia mais uma cerveja para a mesa.
- Sol, então…você come essa égua?
- Papo furado Amu, essa égua tá maluca…
Embora ele não quisesse admitir, era difícil esconder que alguma coisa existia entre os dois.
Naquela mesa, descobri que éguas muitas vezes se apaixonam pelos humanos que as comem e ficam depressivas quando a relação não é correspondida.
Como eu não parava de perguntar sobre sexo com equinos, Joílson virou-se para mim e disse:
- Peraí Amu, pelo que eu estou vendo você nunca comeu uma égua…
- Não!
Os três começaram a rir que nem loucos, era possível também ouvir o dono do quiosque rindo ao fundo.
- E cabra????
- Também não!
- Kkkkkkkkkkkkkkkkkkk
- Gente ele é virgem!!!
- Kkkkkkkkkkkkkkkkk
Lá estava eu, virgem de novo, uma situação pela qual achava ser impossível passar novamente.
- Amu, se você só conhece o sexo com mulher você não sabe nada sobre o assunto…tem coisa que só a égua dá…- disse Joílson.
- E não há nada como a boceta apertadinha de uma cabritinha…- completou Jackson antes de continuar:
- Você vai ficar aqui por mais quanto tempo?
- Mais duas semanas.
- Fica tranquilo que eu vou te arrumar uma bichinha para você perder a virgindade.
- Não gente, na real, eu não estou a fim de comer nenhum animal, muito obrigado, mas não quero.
Sol que estava quieto abriu a boca e finalmente admitiu seu romance:
- Amu, você é um cara legal e sua namorada é muito amiga da minha esposa, então se você quiser eu até deixo você comer a minha cavalinha…e você viu como ela é gostosa…
- Muito gostosa!!!! - Jackson exclamava com água na boca.
- Amu, se você olhar bem, a égua de costas é igualzinha a uma mulher! - Joílson tentava me convencer com argumentos surrealistas.
A oferta de Sol, me oferecendo sua própria égua foi uma das coisas mais estranhas que ouvi na minha vida, acho que se algum marido (humano) me oferecesse sua própria esposa (também humana) eu não estranharia tanto.
- Gente, agradeço do fundo do coração, vocês são muito legais e ainda vou ficar mais duas semanas na cidade, se eu mudar de opinião vocês me apresentam uma égua, uma cabrita ou até mesmo uma galinha para eu comer…
- Galinha não Amu, galinha não… é difícil e tem que ter experiência, ela pode morrer enquanto você fode ela, daí tem que cortar a bichinha, sai muito sangue e como você é da cidade grande é melhor começar com uma cabra mesmo…- disse Joílson,
- Eu falei brincando da galinha… é sério que você já fodeu um galinha Joílson?
- Várias, e quando alguma morre ainda levo para a janta…
Até o final da viagem decidi comer somente peixe, vai que eu encontro um "molho branco" dentro de uma galinha...
Voltei para a casa que minha namorada alugava, ela fazia pesquisa científica naquele povoado, felizmente não com animais...
- Luciana, eu não consigo guardar esse tipo de segredo… você sabia que o Sol tem um caso com uma égua?
- Eu sei, a Sônia me falou.
- Caraca, a esposa dele sabe?
- Sabe, mas ela não gosta não, afinal ele come a égua sem camisinha e depois come ela sem camisinha também, é meio nojento.
Mas ela aceita, sabe que ele gosta da égua, não acha traição, afinal não é outra mulher.
- Se eu transasse com uma égua você iria achar traição?
- Se você fizesse isso eu ia te descer a porrada, coisa mais nojenta…
- E se eu comesse uma cabra?
- Méééééé…...
Aquelas pessoas não achavam perversão fazer sexo com animais, isso é parte da cultura em muitos lugares do Brasil.
Acredito que qualquer sexo sem consentimento é um ato criminoso e não dá para saber se os animais realmente querem a penetração…mas não estou aqui para julgar ninguém.
As dicas que me deram não me foram e provavelmente não me serão úteis, mas se quiserem saber:
- Não acredito que exista alguma lei que impeça alguém de levar uma égua para o motel, porém, como isso não é nem um pouco prático, o ideal é que a relação sexual ocorra ao ar livre, então busque um lugar deserto para que ninguém os veja, poupe qualquer pessoa de assistir a cena, pode ser traumático.
- Éguas adoram preliminares, pense que por maior que seja o seu pau, ele nunca será do tamanho do de um cavalo, então valorize as carícias preliminares.
- Suba na égua sem cela, de preferência pelado, e a acaricie por um bom tempo, quando seu pau estiver bem duro e você sentir que ela está pronta (essa parte eu realmente não consegui entender…), deslize vagarosamente seu corpo para buscar a vagina dela e a penetre com carinho.
Agora uma coisa muito importante: SE LIGA QUE A ÉGUA PODE SE APAIXONAR!
O Outro Lado da CUT
Uma das coisas mais legais de morar no Rio de Janeiro são os eventos que sempre acontecem na cidade, nacionais e internacionais.
Ayslam é presença constante nos internacionais.
Não, ele não trabalha com organização de eventos, ele adora uma gringa e vai à caça, se ela tiver um sovaco cabeludo então…ele enlouquece.
Era um encontro voltado para a ecologia que acontecia no Aterro do Flamengo, evento grande, imperdivel e para não ir sozinho, Ayslam chamou seu amigo Jorge .
Ayslan ficou surpreso, nunca tinha sido tão fácil conhecer gringas, bastava dizer um "eráriu frôn?" que elas respondiam com simpatia.
O grande problema é que as gringas estavam realmente preocupadas em salvar o planeta e não a vida sexual de Ayslam.
Eram super simpáticas e interessadas no que acontecia em nossas florestas, provavelmente tinham mais conhecimento sobre a ecologia brasileira do que a maioria dos brasileiros e do que Ayslam, que estava feliz e decepcionado ao mesmo tempo.
Jorge não tem esse tesão todo em gringas, acabou se aproximando de uma galera bem simpática que veio de Macapá e que viajou três dias de ônibus para chegar ao Rio, sem dúvida uma grande manifestação de vontade de salvar o planeta.
Já um pouco enturmado, Jorge apresentou seu amigo:
- Então gente, Esse aqui é o meu amigo Ayslam! - ele cumprimentou a todos e por último uma menina baixinha...
- Oi, meu nome é Jucyene, com Y!
- Eu sou Ayslam, também com Y!
Aquela conversa de nomes estranhos gerou um clima, mas Ayslam não foi ao evento atrás de uma mulher da Região Norte, queria uma holandesa, dinamarquesa, ou algo assim, embora Jucyene parecesse abrigar uma bela bunda debaixo da saia, que por sinal foi confeccionada por uma cooperativa de tecelãs do sul do Pará…
De repente um rapaz do grupo chega com uma valiosa informação:
- Gente, parece que tá rolando uma festa na barraca da CUT, vamos nessa?
Ayslam falou para Jorge:
- Tô fora, deve ser um bando de barbudo comunista.
- Bora nessa porra, tú não gosta de Los Hermanos?
- Gosto, por quê?
- É a mesma merda!
O argumento de Jorge ligando o Los Hermanos à CUT não parecia fazer sentido, mas foram assim mesmo, já tinha anoitecido e no resto da feira começava a rolar um clima de fim de festa.
Quando chegaram na tenda da CUT, foram surpreendidos ao ouvirem "Livin' on a prayer" do Bon Jovi tocando nas caixas de som do evento:
- Bon Jovi na CUT! Achei que só ia ouvir Chico Buarque e Mercedes Sosa - Ayslam disse.
O melhor é que a cerveja era de graça, claro que era nacional e Brahma.
Depois de algumas latinhas os dois foram para a pista de dança balançar o esqueleto ao som de Seu Jorge, quando na sequência tocou "Ana Julia":
- Não falei seu porra, Hermanos e CUT são a mesma merda!!!!!!
Embora não fosse a sua canção favorita da banda, Ayslam se soltava na pista e no meio da música rolou uma troca de olhares muito forte com Jucyene…
Ao final da música, pegaram cada um uma Brahma e saíram da tenda da CUT.
Já estava de noite e dava para ver o Pão-de-Açucar, Jucyene se emocionou com aquele cenário de cinema e os dois começaram a se beijar loucamente.
Ela tinha viajado num busão, que não era nem leito, por três dias… chegar no Rio de Janeiro, a feira ecológica, aquele cenário, a festa da CUT, tudo parecia perfeito e para ficar melhor ainda ela começou a pegar no pau de Ayslam, que retribuía enfiando a mão por debaixo da saia ecológica dela.
O clima foi ficando cada vez mais intenso e Ayslam sugeriu que fossem mais para dentro do Aterro, para um local mais deserto onde pudessem transar, acharam então uma moita junto à uma árvore.
Jucyene não imaginava que estava numa área super perigosa, normalmente povoada por moradores de rua, pivetes e crackudos, Ayslam, como qualquer carioca, sabia, mas nada falou, pensou que se ela soubesse poderia ficar preocupada e ele perderia a foda.
Começaram a trepar apoiados na árvore, tudo estava perfeito até que Jucyene começa a falar:
- Ai, Pau Carioca, vai Pau Carioca…Isso Pau Carioca…
Ayslam ficou meio perplexo com aquele papo de "Pau Carioca", concluiu que por seu nome ser diferente ela provavelmente não se lembrava, isso era normal na vida dele, que já foi chamado de Abraão, Adão, Allan…
- Isso Pau Carioca, Isso…é assim Pau Carioca…- Jucyene repetia intensamente.
Ela falava tanto, que embora Ayslam fosse um daqueles caras que não fala enquanto fode, ele começou a se sentir incomodado e como não queria fazer aquilo parecer um monólogo, pensou que tinha que falar algo e pensou no que falar.
Ele também não se lembrava ao certo do nome dela…Jucycrene, Jucylane? Sabia que tinha "Y" e concluiu que todo nome escroto tem "Y", a começar pelo dele…
Daí teve uma idéia… pensou que da mesma forma em que ela estava homenageando a cidade dele, ele iria homenagear a dela… "Boceta Macapense!".
Porém, antes de falar ele pensou melhor e viu que não tinha certeza de que quem nasce em Macapá é macapense... seria uma queimação e até mesmo um insulto errar isso, vai que é um nome totalmente diferente tipo soteropolitano ou potiguar…
Então ele decidiu não falar nenhuma palavra, mas romper o silêncio com gemidos bem grossos e másculos do tipo: "ÓÓÓÓÓÓÓ", "UHHHHH", "ÔÔHHMM"… soltou até um "OH YEAH!!!", provavelmente influenciado pela pornografia que assistia na TV a cabo.
Enquanto isso Jucyene falava "Pau Carioca" de várias maneiras, mudando a acentuação e a duração das sílabas:
- Pau Cariooooooooca…Paaaaaaaaau Carioca…
Ayslam Silva Bastos não existia mais, ele tinha se transformado no Pau Carioca e aquela situação o incomodava muito, até que ele não aguentou mais e enquanto gozava começou a berrar:
- ISSO QUE É BOCETA!!!!!BOCETA DO MACAPÁ!!!!BOCETA IGUAL A ESSA, NÃO HÁ , NÃO HÁ!!!!!! VIVA A BOCETA DO MACAPÁ…
- Ai…Pau carioca!!!!!
Ajeitaram as roupas e trocaram telefones mas pouco falaram sobre a possibilidade de se reencontrarem.
Jucyene iria ficar mais dois dias no Rio antes de encarar outro ônibus por três.
Ela voltou para a festa da CUT onde estavam seus amigos, ele foi embora dali mesmo, esnobando a cerveja gratuita e deixando o seu amigo Jorge à mercê dos barbudos.
A primeira coisa que Ayslam fez quando chegou em casa foi digitar no Google: " Quem nasce em Macapá é? "
Sentiu-se aliviado por não ter dito "Boceta Macapense"...
Para Entender a Meritocracia
Antônio chegou em casa após uma viagem de trabalho e ao jogar algo na lixeira do banheiro se deparou com algo que lhe estarreceu profundamente, uma camisinha usada…
- Rita, o que é isso?
Sua esposa, pega de surpresa, respondeu:
- Ahhhhh…O que amor? Não estou entendendo…
- Essa camisinha gozada estava no banheiro, você está me traindo?
Rita utilizou-se de toda sua criatividade para tentar se safar daquela situação.
- Isso Antônio, é porque eu te amo e aprendo a cada dia com nossa convivência, você me mostra coisas que eu jamais achei que existiam…
- Como assim?
- Amor, isso é…a… meritocracia.
- Meritocracia?
- É amor, eu aprendi em uma de suas palestras que as pessoas devem ser recompensadas por seus méritos, não é isso que você prega?
Surpreso com aquela fala sem sentido, Antônio perguntou:
- O que tem a ver você me trair, com a meritocracia?
- É que quem usou essa camisinha é dono de um mérito …
- Que mérito é esse?
- 26 cm…
- Ah?
- 26 cm de piroca…
Ao ouvir da boca de Rita o cumprimento da rola que entrou no corpo de sua esposa, Antônio sentou-se no chão e ficou quieto por alguns segundos.
Antônio dá palestras motivacionais em todo o Brasil e o principal tema abordado em seu trabalho é a meritocracia, sistema o qual, ele é um ferrenho defensor.
Na cabeça de Antônio, parecia claro que Rita estava se usando de um argumento estapafúrdio para sair daquela situação, porém, ele sabe que a maioria dos brasileiros não compreende direito o conceito de meritocracia e Rita podia ser uma dessas pessoas.
- Rita, eu posso perdoar sua ignorância, mas não sua traição… - e olhando fixamente para sua esposa, explicou:
- Meritocracia, é um sistema de gestão que valoriza o mérito para atingir uma posição superior na carreira, é algo que tem a ver com as conquistas e esforços individuais.
O cara nascer com uma piroca gigante não é mérito, entendeu?
Aliás, você nunca mediu meu pau, como sabe o meu tamanho?
- Medi sim, lembra aquele dia em que coloquei o meu celular do lado dele?
Então, o seu pau é do tamanho do meu Samsung, depois foi só medir meu celular, você tem 12 cm, já o do Jobson é maior que o Ipad…
- Cala a boca, antes que eu fique mais puto!!!
Entenda isso, o seu "picão" não tem mérito nenhum, ele nasceu com essa piroca, não fez nada para conquistá-la!
Mérito tenho eu, que tenho um cargo de prestígio numa multinacional, conseguido com muito esforço! Me diga, qual é o trabalho do picão?
- Ele é meu instrutor de capoeira…
- Puta que pariu! Um pé-rapado de merda, instrutorzinho de capoeira… não tem como comparar os meus méritos e conquistas com um cara desse…
Rita se entristeceu.
- Antônio, entendo que você esteja magoado, mas não precisa falar assim dele…ele não teve as oportunidades que você teve, você vem de uma família rica, seu avô foi um rico fazendeiro em Minas, seu pai foi deputado… O Jobson não teve oportunidade, seu bisavô foi escravo e ele mantém a tradição da capoeira na família há gerações.
- Então Rita, entenda a meritocracia, se ele se esforçasse de verdade, não jogando capoeira, mas estudando dez horas por dia e por muitos anos, ele seria alguém na vida, você não vê o Joaquim Barbosa? Negro e pobre que nem ele, mas venceu na vida, ele é o exemplo maior do que é a meritocracia.
NOTA DO ESCRITOR: Por quê quando alguém cita o exemplo de um negro bem sucedido no Brasil, é sempre o JB?
- Eu respeito o Joaquim Barbosa, mas ele não me dá tesão nenhum…e Antônio, entendo e admiro o seu sucesso, mas você sempre estudou nas melhores escolas e teve tudo na vida, fez MBA nos Estados Unidos. Você tem mérito, mas igual ao pau do Jobson você "herdou" esse mérito de seu pai e também do seu avô…
- Não me desmereça sua vagabunda, sou eu que pago por essa sua vida de madame, foi o meu suor que te deu essa bolsa Louis Vuitton!
Antônio se sentiu confrontado quando foi comparado ao pau do capoeirista, respirou fundo e mais calmo, continuou:
- Esquece o capoeirista, vou te dar outro exemplo, o Felipe, que estudou comigo quase a vida toda, ele não tem o cargo que eu tenho...
- Mas ele não fez MBA nos EUA!
- Por que NÃO SE ESFORÇOU! Eu falei para ele que ele podia tentar uma bolsa se estudasse bastante.
- Mas você foi com o curso pago pelo pai…
- NÃO IMPORTA RITA! O que importa é o mérito de ter realizado!!!!! Qualquer coisa além disso é papo para boi dormir.
Agora, vamos ver se você entendeu…
Então, pela meritocracia, quem tem mais mérito, eu ou o Felipe?
Rita olha para baixo pensativa e responde:
- Amor, o Felipe tem mais mérito… 5 cm a mais de mérito.
O Baixista Que Veio do Sul
- Meu Deus do céu! Que baranga é essa que o Almir trouxe para o ensaio! - exclamava Marlon, o vocalista.
- É… realmente - eu concordava.
- Eu tive que virar o pedestal do microfone para o outro lado, porque não estava dando para cantar olhando para ela…eu estava passando mal...
Luana, a baterista, se juntou à conversa:
- Muito feia mesmo! O Almir se superou nessa!
Esse papo ocorreu depois do ensaio de uma banda cover, em que toquei no início dos anos 2000.
A banda toda parecia estar mais preocupada em pegar mulher do que em ganhar dinheiro e como eu estava solteiro na época, trabalhar com aquelas figuras parecia ser um bom negócio, inclusive nossa baterista era lésbica, fortalecendo a energia da banda.
Marlon, o vocalista, ganhava a vida jogando tarô e fazendo mapa astral, Luana, foi baterista de uma banda que fez muito sucesso nos anos 80, ela se apresentou várias vezes no Chacrinha.
Almir era o baixista, ele veio de Porto Alegre para tentar a vida como músico no Rio de Janeiro e é sobre ele que falo hoje.
A primeira vez que sai com o Almir
Saímos de meu apartamento no Catete e fomos a pé tomar uma cerveja no Mercado São José, em Laranjeiras.
Antes de chegarmos no Largo do Machado vimos uma mulher bem gostosa, com roupa e suor típicos de quem está voltando da academia.
De repente, o Almir acelerou alucinadamente o passo e ficou ao lado dela:
- Linda! Linda! Linda! Você é muito linda! Me dá seu telefone????
A malhadora ficou assustada e eu confesso que também fiquei, aquele tipo de aproximação era tenebrosa.
Ela foi andando cada vez mais rápido, quase chegando no que é chamado pelos professores de educação física de "trote" e após algum tempo o Almir se tocou, desistindo de segui-la. Não falei nada para ele e tentei não demonstrar meu estranhamento com a situação.
Uns 50 metros depois, já na rua das Laranjeiras, ele se aproximou da mesma forma de outra mulher:
- Linda! Linda! Linda! Alguém já te disse o quanto você é linda? Me dá seu telefone …vai, me dá o telefone, você conquistou meu coração…Linda…Linda…
Aquele hora eu vi que o cara não era normal, mas tudo bem, eu também não sou.
Embora ele não encostasse na mulher, ele falava seus galanteios muito perto do ouvido dela e acredito que isso já seja considerado algum tipo de crime de assédio.
Fiquei com medo dela chamar a polícia, torcia para chegarmos logo no bar porque sentado ele não poderia agir dessa maneira.
Quando chegamos no Mercadinho me tranquilizei.
Pedimos uma cerveja e o Almir começou a levantar o copo na direção de qualquer mulher que olhasse para a mesa, fazia isso enquanto dava um sorriso safado cheio de segundas intenções.
Almir era a queimação em pessoa, saindo com ele eu não ia pegar nada, ele afugentava a mulherada.
O Mercadinho estava meio deprê e eu queria sair dali:
- Almir, então, aqui está meio ruim, vamos subir para Santa Teresa?
- Beleza Amu, vamos.
E eu, meio sem jeito, continuei:
- Mas Almir, é o seguinte…cara, eu conheço uma galera lá… e… esse papo de linda,linda,linda…sabe…não vai rolar... você só vai queimar meu filme.
- Tudo bem Amu, tranquilo!
- Sabe, a galera lá é do tipo "cabeça", vai estar conversando sobre o novo filme do Almodóvar, ou coisa assim.
- Almo… o quê?
- Almodóvar, o cineasta espanhol, não conhece?
- Al-mo-do-var…não, não conheço não.
- Os filmes dele são ótimos, vale a pena ver.
Peguei o carro e fomos para Santa, lugar que eu frequentava na época.
Sentamos no Bar do Mineiro e ficamos conversando sobre música e os planos para a banda cover, ele me explicava também como era o cenário musical no sul e porque veio para o Rio.
Depois de um tempo fui ao banheiro e quando voltei lá estava o Almir puxando papo com as mulheres da mesa ao lado:
- Boa noite! Almodóvar? Almodóvar? Gostam do Almodóvar?
Outra do gaúcho:
Tínhamos acabado de tocar no Big Ben, em Botafogo, depois do show era a hora de "colher o que plantamos".
Dizem que o artista no palco exerce uma fascinação (muitas vezes sexual) sobre as pessoas, não sei se isso é verdade, o fato é que quando você sobe no palco você está em exposição e por um período de tempo será observado por outras pessoas, talvez nesse tempo em que o artista fica exposto seus observadores o olhem de outra forma e descubram outras vertentes de sua beleza… mais ou menos como aquela atriz que você acha feia no começo do filme e linda (Linda!Linda!Linda!) no final.
Jogando fora tudo o que eu falei no parágrafo anterior, o Almir estava azarando a mulher mais feia de todo o Big Ben e vendo aquilo eu tive que intervir, pedi licença aos dois, dizendo que precisava falar algo importante com ele:
- Almir, tú tá louco cara? Essa mulher é muito feia! Acabamos de tocar, sua moral tá alta, tenta algo melhor!
- Eu sei Amu, ela é feia, aliás, ela é horrível!
- Então, você tem tesão em mulher feia?
- Não Amu, eu gosto tanto de mulher bonita como você, o que acontece é que eu tenho um pensamento sobre a vida de que eu nunca posso regredir, sempre evoluir…
- Como assim?
- Eu chego na mais feia do bar, se ela me der um fora, eu vou para uma melhor que ela e assim por diante, sempre evoluindo.
Antes eu ia na mais bonita e levando um fora eu ia para uma menos bonita, era como se estivesse caindo na vida, a autoestima ficava baixa, às vezes chegava triste em casa...
- Essa sua teoria é interessante, mas e se você pegar a mais feia, a primeira em que chegou?
- Maravilha! Minha autoestima fica lá em cima e cá entre nós, nenhuma mulher é tão feia que não possa ser comida...
Almir acabou engravidando uma moradora da Rocinha e como sua estrutura no Rio era muito precária, ele achou melhor ter o filho em Porto Alegre, onde poderia contar com a ajuda de seus familiares.
Nunca mais tive notícias dele, figura estranha, mas nota 1000.
Concurso de Punheta
Em 2006 fui fazer alguns shows na Europa, seriam dois em Londres e um Lisboa, eu fui tocando baixo no Phonopop e fizemos esses shows em parceria com o Autoramas.
A idéia era viajar pela Europa após as apresentações, fui para a Irlanda, Bélgica e República Tcheca antes de retornar à Londres para pegar meu voo de volta ao Brasil.
A grana já estava acabando e estava precisamente calculada para durar até o fim da viagem.
Porém aconteceu um problema, a VARIG, companhia que apoiava o evento e cedeu as passagens, faliu alguns dias antes da data de minha volta.
O Juvenal, que viajou comigo e voltaria uma semana antes, me mandou um e-mail dizendo que ficou 5 dias a mais em Londres porque a companhia aérea não tinha mais voos para o Brasil.
Cheguei numa sexta e meu voo era no sábado.
Na própria sexta fui ao aeroporto e lá o desespero era total, no guichê da VARIG, havia apenas uma funcionária sendo constantemente ofendida, como se ela fosse culpada pela falência da empresa.
Sentindo o clima da situação, falei com ela educadamente e ela educadamente me disse que eu estava fodido, que a empresa tinha quebrado e que só estavam saindo um ou dois voos por dia de toda a europa para o Brasil.
Ela falou que dificilmente eu voltaria no sábado, mas que eu deveria voltar ao aeroporto para me informar de qualquer novidade.
Eu tinha um lugar para dormir na sexta, na casa do Leonílson, primo de um dos membros do Phonopop.
A idéia inicial era ficar lá na sexta e zarpar para o Brasil no sábado.
Quando falei para o Leonílson que talvez eu tivesse que ficar mais alguns dias, ele me disse:
- Olha Amu, amanhã ( sábado ) chega a minha namorada húngara…
Eu entendi de primeira, Leonílson morava numa casa com mais duas pessoas, cada um num quarto e dividiam o banheiro e a cozinha. O quarto já era pequeno e eu não queria empatar a foda do cara que foi super gente boa comigo.
Combinei com ele que eu deixaria minha mochila ali e pegaria depois, assim que eu soubesse quando voltaria ao Brasil.
Sábado de manhã decidi que iria para o aeroporto ver se havia alguma novidade e depois disso eu iria rodar por Londres até tentar achar algum lugar para dormir.
Eu já estava quase pronto para sair quando o Leonílson me disse:
- Amu, vem cá, tú bate uma punheta?
Pensei logo naquela história de que "não existe almoço grátis", o cara me hospedou ali e agora queria que eu o masturbasse…
Vendo a minha cara de perplexo, ele continuou:
- Que é isso cara, não sou viado não! É que hoje vai ter um evento bem bacana na cidade, um concurso de punheta.
- Como assim?
- Então, pelo que eu sei é um concurso que existe nos EUA e essa é a primeira edição na Inglaterra.
- E quais são as regras?
- Não sei ao certo, parece que querem bater o recorde de um americano que ficou 8 horas batendo uma, o mais legal é que o evento é beneficiente…
- Beneficiente?
- É, parece que ajuda as crianças da África.
- Mas qual o tesão de bater uma bronha com um monte de homem olhando?
- Amu, tem sala masculina, feminina e mista, vai na mista.
A história de bater uma bronha e ajudar uma criança na África era fantástica, quase surreal.
Fomos no site do evento para pegar mais informações, porém não dizia quase nada ali, pelo menos tinha o endereço.
O evento se chamava Masturbate-a-thon.
Deixei meu mochilão na casa do Leonílson e segui com uma bolsa carteiro que tinha meu passaporte, minha agenda, caneta , uma blusa e um pijama devidamente enrolados para caberem ali.
Estava um calorão em Londres e decidi levar minha toalha amarrada na alça da bolsa carteiro, uma toalha verde que me transformou no cara mais peão de toda a Inglaterra.
Decidi levar a toalha porque se eu ficasse na casa de alguém que mal conhecia não queria sujar a toalha da figura e também não queria pagar pela toalha do hostel, se você não usar a toalha deles é mais barato, afinal eu tinha 40 libras que tinham que durar até Deus sabe quando.
Um dos gastos que eu não teria como evitar era o "one day travelcard", bilhete de metrô que me permitia viajar sem limite por um dia, como todo dia eu teria que ir ao longínquo aeroporto, era um gasto necessário.
Em Londres se você pagar 3 passagens de metrô, já vale a pena comprar o ticket de um dia inteiro.
Fui ao Heatrow e nada de voo, só mais confusão, gente dormindo ali mesmo e todo mundo se xingando desesperadamente...
Usando o meu bilhete rodei a cidade, fui em várias lojas de instrumentos musicais testar tudo o que não temos no Brasil, fui em lojas de cd, museus, tudo isso sem comprar nada, tinha uma garrafinha de plástico na minha bolsa que enchia de água aonde pudesse.
Lá pelas 16hs bateu uma curiosidade sobre aquele concurso de bronha, olhei o endereço na minha agenda e peguei o metrô.
Eu estava sem "descarregar" a um tempo, viajando com o esquema de banda, dividindo quarto com um monte de macho com seus instrumentos ( musicais! ), não comi ninguém, só troquei uns beijos com uma tcheca, que achei que era prostituta e que depois descobri que não era…enfim, fazia sentido eu dar um pulo no Masturbate-a-thon.
Chegando lá, vi um sujeito muito gordo na porta, com uma cara de punheteiro que eu jamais tinha visto, desanimei e pensei que aquele evento era para profissionais, o nível era outro e eu iria passar vergonha ali... passei direto pela entrada.
Andei uns 50 metros pensando que aquilo era uma furada e que perdi meu tempo, então cruzei com um jovem casal, a menina era linda e usava um chapéu pontudo tipo de bruxa, dei meia volta e resolvi seguir os dois, se ela subisse a escada e fosse para o evento eu tinha que ir.
Não deu outra, eles subiram e eu queria ver aquela menina se masturbar na sala mista, embora existisse a chance dela ir para a sala feminina.
Havia uma pequena fila para se inscrever e um transex fazia a ficha do participante, ele(a) era a única pessoa que parecia destoar do resto de ingleses comportados que haviam ali, inclusive de uma das salas saiu um verdadeiro lorde inglês de chapéu e terno, com cara de aliviado.
Curiosamente, nas regras do evento dizia "bring your towel" e eu coincidentemente estava com minha toalha pendurada ali, era como um campeão entrando de roupão num ringue de boxe.
Infelizmente o Leonílson se enganou quanto ao "beneficiente", o esquema era o seguinte: uma empresa fazia a doação e a enviava através de um funcionário que participaria do evento, a outra forma de entrar era pagar 10 libras.
Naquele momento, 10 libras era mais ou menos um terço de tudo que eu tinha e não podia gastar isso numa punheta coletiva…
Joguei o velho papo de "I'm from Brazil…" para que o cara da portaria me deixasse pelo menos dar uma olhada na sala mista, falei que era muita grana para mim…
O porteiro deve ter achado que eu era louco, veio do Brazil bater uma punheta coletiva, não tem dinheiro, anda com uma toalha pendurada… esses fatores todos provavelmente sensibilizaram ele, que abriu a porta da sala mista durante uns 10 segundos.
Na sala, projetores exibiam filmes eróticos nas paredes, a maioria esmagadora dos participantes era de homens, com pirocas de vários tamanhos e cores, mas consegui ver uma baranga se masturbando alucinadamente.
Procurei a menina com chapéu de bruxa mas não a achei...
Entre os participantes circulavam pessoas com uma blusa escrito "Ask me", eram monitores de ambos os sexos que trabalhavam no evento tirando dúvidas e fiscalizando se as pessoas estavam se masturbando direitinho.
Aquela visão do inferno, ou do paraíso, durou pouco: "If you wanna see more, you have to pay…".
Eu não podia pagar, então voltei à minha procura por um lugar para pernoitar, acabei ficando num quarto de um amigo de um amigo que morava numa república de estudantes, por sorte, naquela noite haveria uma festinha.
A noite foi bem legal e acabou com uma rodinha de violão num parque.
Lá pelas duas da madrugada um policial chegou, pensamos que ele vinha acabar com nosso barato, mas a primeira coisa que ele perguntou era se podia se juntar a nós, dissemos que sim e oferecemos nossas duas opções: "Russian Vodka or Brazilian Cachaça"? Fiquei orgulhoso quando ele disse "Cachaça".
O policial pediu para que a gente tocasse algo do Elton John para ele cantar, se não me engano toquei "Your Song" e ele cantou felizão para depois voltar à sua ronda.
No dia seguinte dormi num albergue com 8 colombianos no quarto, nesse dia se eu não tivesse 10 libras eu não teria onde dormir, embora a noite custasse 14 libras, eu tinha que deixar mais 10 de depósito caso eu perdesse as chaves, esses depósito seria devolvido quando eu fosse embora.
Minha grana já estava quase acabando quando alguém da VARIG me conseguiu um hotel perto do aeroporto.
Ter um quarto de hotel só para mim e com banheira era como chegar no paraíso, quase chorei de emoção, tinha também café, almoço e jantar incluído.
Fiz a barba, e tomei um banho demorado de banheira, a felicidade era tanta que tive que bater uma bronha… aquele líquido branco todo saindo de mim me fez pensar que se tivesse uma modalidade "quantidade" no Masturbate-a-thon eu poderia ter ganho algum prêmio.
Finalmente na terça, eu saí de Londres para…Frankfurt!!!!!!!
Agora falando sério, o Masturbate-a-thon é um projeto muito legal e é realmente beneficiente, não para as crianças da África, mas auxilia várias instituições, além de ajudar a sociedade a romper com tantos tabus associados à masturbação, você pode conferir o belo trabalho deles no site e doar se quiser:
Se estiver pensando em entrar na competição, devo dizer que tem gente muito boa competindo e atualmente o recorde é de um japonês, Masanobu Sato, que ficou nove horas e cinquenta e oito minutos na função.
O video dele "praticando" enquanto a esposa costura e cozinha é fantástico, pode ver com a família que não aparece nada, é em inglês.
Masanobu Sato, o maior punheteiro do planeta!
Tocando Nos Puteiros da Vida
Eu admiro e sempre admirei os músicos mais velhos, que viveram em outra época, que me contaram histórias sobre o lançamento do "Expresso 2222", do show que viram da Elis, de quando ouviram "Construção" pela primeira vez...
Além disso, aprendia muito mais tocando com músicos mais velhos do que com músicos da minha idade.
Algo em comum a quase todos eles, eram as histórias de quando tinham tocado em puteiros pelo Brasil afora. Parecia que todo músico profissional com mais de 50 anos de idade já havia tocado em puteiro.
Talvez nos anos 60 e 70 fosse normal ter música ao vivo nas casas de prostituição, mas isso era uma realidade muito distante para mim, nos anos 90/2000 e eu tinha a impressão de que faltava esse carimbo em meu passaporte musical.
Bom , tudo que a gente pensa se realiza algum dia…
No final da Asa Norte de Brasília, se não me engano na comercial da 315/316, havia um ponto de prostituição, as mulheres ficavam na rua esperando os clientes que vinham de carro para levá-las para fazer programa em algum lugar ou no próprio carro.
A comercial era completamente abandonada de noite, talvez até tenha sido por isso que as prostitutas escolheram aquele local.
Porém, um cearense muito simpático decidiu abrir um bar naquela comercial e por um acaso do destino eu almocei nesse bar, que funcionava como self-service na hora do almoço.
Quando fui pagar a conta perguntei ao dono do estabelecimento se ele tinha interesse em colocar música ao vivo ali.
Ele se interessou e combinamos que eu tocaria no bar com meu trio de jazz.
Negociamos o cachê e o tempo, tocaríamos três entradas de uma hora, 45 minutos de música por 15 de descanso, das 21hs até meia-noite.
Começamos pontualmente no horário previsto, quando só havia um casal no bar tomando cerveja e comendo batata frita.
Abrimos o show com "Wave" como de costume, o setlist era basicamente composto clássicos da bossa nova e do jazz.
O casal estava em clima de lua de mel, com uma banda exclusiva para eles, mas aos poucos foram chegando as prostitutas e lá pelas 22hs o bar já estava tomado por elas.
Aquelas mulheres todas em roupas sensuais deixaram a senhora do casal visivelmente incomodada e ela mesmo pediu a conta.
Eu já estava ambientado com o local e o som estava bonito, quando uma mulher visivelmente apressada chegou no balcão:
- Ceará, me dá um guaraná urgente!
A parceira dela, que estava do meu lado perguntou:
- Por quê esse desespero, amiga?
- Nunca engoli uma porra tão salgada na minha vida…
- Engoliu? Tem que cospir!
- Não deu tempo, ele gozou lá no fundo, na garganta!
- O cara era gordo? Normalmente gordo tem porra com gosto forte porque come muita porcaria…
- Não era gordo não - Ela falava entre um gole e outro do guaraná Antarctica.
Era difícil se concentrar na improvisação de "Stella by Starlight" ouvindo esse tipo de conversa, mas ao mesmo tempo esse diálogo reforçava a sensação de eu estar tocando num puteiro, mesmo que aquilo não fosse um puteiro "oficial".
Era mais ou menos como se hospedar em um albergue não oficial, não é um albergue reconhecido pela associação de albergues, mas é um albergue…
Enquanto eu improvisava, tentava entender por quê ela pediu um guaraná e não uma coca-cola... seria o guaraná mais efetivo nesses casos?
O lugar enchia, mas as prostitutas não ficavam ali por muito tempo, elas usavam o lugar apenas para fazer um "pit stop" e recarregar as energias.
Elas aproveitavam o bar para comer algum petisco, tomar guaraná, água, cerveja, caipirinha, algumas se demoravam no banheiro para coisas mais pesadas.
Usavam o banheiro também para passar fio-dental e lavar suas partes íntimas, fortalecendo o provérbio: "lavou tá novo".
Ao longo da noite era normal uma menina voltar 3 ou 4 vezes ao bar, num esquema do tipo: "tomou um guaraná, fez um sexo, voltou e comeu um pastel, fez outro sexo, voltou e comprou um chiclete, fez outro sexo…"
A nossa música era como um fundo musical para tudo isso.
Como o bar ficava cheio de meninas bonitas, alguns homens estacionavam o carro e se sentavam lá para tomar um goró enquanto decidiam sobre quais seriam suas parceiras naquela noite.
Numa mesa estavam dois caras de terno que sairam do trabalho direto para o bar, um deles negociava o preço com uma morena bem encorpada, a conversa parecia não ter fim até que a morena falou bem alto:
-Toca um samba!
Daí tocamos "Influência do Jazz" e ela começou a rebolar, roçando aquela imensa bunda na coxa do engravatado que ficou louco e não resistiu à tentação, levando a morena dali antes mesmo que a música acabasse.
Eu até achei que aquela morena ia voltar e dar uma comissão para os músicos, mas Brasília não é Las Vegas…
A prostituição de rua não é um meio tranquilo, nem um pouco, existe uma carga pesada e que ficava mais pesada quando a noite adentrava e isso em si já justificava a chegada de dois policiais ao recinto.
Um deles parecia estar curtindo bastante o som, acho até que ele tocava guitarra, pelo modo que me olhava fixamente.
O policial ficava balançando a cabeça no ritmo da música, o problema é que ele estava com uma metralhadora na mão e não é fácil improvisar com um cara a menos de dois metros de você te olhando fixamente com uma metranca…
A música ficou melhor quando a polícia foi embora.
Era difícil ignorar o lugar em que estávamos e Ademir, o baterista, se engraçou com uma baixinha num intervalo de set... eu, vendo aquela situação, falei para ele:
- Rapaz, você não conhece o ditado: "Onde se ganha o pão não se come a carne"?
- Fica tranquilo Amu, estou só trocando uma idéia, mas que ela é gostosa é gostosa... - Falava salivando.
Após o trabalho, enquanto terminávamos a nossa porção de calabresa com cerveja, o Ceará veio nos pagar e logo disse:
- Olha garotada, muito bom o som de vocês, coisa fina mesmo, mas eu acho que não é para esse bar… vocês viram que tinha um casal no começo que estava gostando, mas quando começou o movimento eles foram embora…
Acho que gente "de bem" não vem nesse bar mesmo e eu pagando vocês vou ter prejuízo…
Foi um prazer ter vocês aqui, eu estou com o seu cartão, se o ambiente melhorar eu te ligo.
Não fiquei triste por aquele trabalho não ter continuado, para mim já estava ótimo, já tinha realizado o meu sonho e não tinha mais porque tocar ali.
Tocar em puteiro é mais ou menos como fazer aula de aeróbica, você só precisa fazer uma vez para saber que não quer fazer aquilo de novo.
Mas foi uma experiência muito interessante e devo dizer que concordo, em parte, com a afirmação do meu amigo Márcio Bahiano, que dizia sempre: "você não se torna músico quando passa no exame da Ordem dos Músicos do Brasil, você vira músico quando toca num puteiro".
Ademir, ouvindo do Ceará que a gente não iria mais tocar lá, também ficou feliz:
- Então Amu, não tem esse papo de "onde se ganha o pão…", me dá minha parte aí que hoje o meu cachê tem dono, ou melhor, dona…
Mulheres Preferem Conversíveis
-Olha o tamanho dessa cabeça! - Guilherme falava olhando para a tela e após uma pequena pausa continuou:
-Esse Fernando Vannucci é muito feio… ainda dizem que ele é baixinho…
Por isso que eu te digo Amu, tudo é papo, esse cara deve ter um papo muito bom para conquistar tantas mulheres bonitas, se eu tivesse a conversa que esse cara tem...
Na ingenuidade de seus 15 ou 16 anos Guilherme realmente acreditava que o Vannucci era dono de uma conversa sedutora e irresistível e que apenas esse talento bastava para que ele conquistasse a mulherada. O fato dele ser um dos mais importantes apresentadores da TV brasileira na época e de provavelmente ter muito dinheiro não parecia ter tanta relevância.
Guilherme continuava discorrendo acerca da importância da conversa no processo de sedução enquanto o Vannucci narrava os gols do Flamengo. No final do Globo Esporte, ele vira para mim e fala:
- Mas Amu, isso tudo vai mudar, eu encomendei esse livro...
E me passou um exemplar da Playboy do mês, dobrada numa página com a propaganda de um livro cujo título não me lembro ao certo, mas se não me engano era "Como conquistar as mulheres".
No anúncio, seu autor se gabava de ter conquistado centenas de mulheres e de ainda ter ajudado vários homens nessa finalidade. O autor era americano e o livro já era um best-seller nos EUA.
A parte debaixo da página estava recortada, indicando que Guilherme já tinha comprado o livro.
Antes das compras on-line o procedimento para comprar certos livros anunciados em revistas, era recortar o cupom que vinha impresso na página e enviá-lo em um envelope junto com dinheiro ou cheque pelo correio. Após isso, a editora lhe enviava o livro. Não existia a Amazon.
O chato desse procedimento era recortar a revista… a coitada que estava nua no verso ficou sem a boceta.
Não tinha como não ficar feliz com aquela notícia, o livro parecia realmente muito bom:
- Legal, depois você me empresta o livro?
- Claro Amu, fica tranquilo, quando a gente acabar de ler vamos sair por aí conquistando as gatas da cidade!
O LIVRO...
Depois de algumas semanas Guilherme me ligou dizendo que o livro tinha chegado e que já o estava lendo.
Dias depois visitei o Gui e vendo o livro na sua mesa de cabeceira perguntei:
- E aí, o livro é bom mesmo?
- Amu, é o seguinte, é bom, mas tem muita coisa nele que é preciso ter dinheiro para pôr em prática…lê aí!
E me passou aquele livro que já carregava em si um certo misticismo.
Comecei a folheá-lo e fiquei um pouco decepcionado com o que li, na verdade ele deveria se chamar "Como conseguir mulheres gastando muito dinheiro" ou "Como comprar mulheres".
Tudo envolvia dinheiro e muito.
Segundo o autor, sempre que você chamasse uma mulher para sair você deveria gastar dinheiro com ela, assim ela se sentiria valorizada e segura.
Tinha um capítulo inteiro sobre o primeiro encontro, indicando em que tipo de restaurante você deveria levá-la, aliás nesse capítulo eu aprendi uma dica importantíssima: nunca levar uma mulher que você ainda está conhecendo para jantar algo que não seja fácil de comer e que possa gerar situações constrangedoras, tipo martelar caranguejo ou aqueles hambúrgueres nojentos cheios de maionese em que você fica parecendo um troglodita comendo.
Ainda nesse capítulo haviam valiosas dicas sobre qual presente levar no primeiro encontro, aliás, no primeiro encontro é obrigatório levar um presente e quando o autor se referia a presentes, ele não falava de chocolate da Cacau Show não, era jóia, roupa cara e por aí..
No capítulo chamado "Os diamantes são os melhores amigos das mulheres", aliás eu achei esse título genial até descobrir que era extraído de um filme da Marilyn Monroe, o autor até tentou explicar algo sobre diamantes, resumindo a parte técnica na afirmação: "Normalmente os que as mulheres mais gostam são os mais caros".
Outra parte explicava como se comportar quando a a mulher entrar no seu carro com conselhos do tipo "sempre abra a porta para a mulher entrar primeiro", a possibilidade de você não ter um carro não existia para o autor.
No mesmo capítulo sobre carros e mulheres estava talvez a mais valiosa frase do livro: "Mulheres preferem conversíveis".
Ele ilustrava que o conversível faz a mulher se achar o centro das atenções, como uma rainha em sua carruagem e ainda dava uma dica que era batata:
"Antes de um passeio no conversível dê a ela um colar de diamantes, quando vocês estiverem no carro ela sentirá que todos olham para ela e para seu belo colar."
O dinheiro que eu tinha na época era muito pouco, se eu deixasse de lanchar na escola eu conseguiria juntar algum para o final de semana, que provavelmente seria gasto comprando algum vinil de rock, aquele universo do livro não existia nem para mim e nem para o Gui.
Bateu um certa frustração e a preocupação de que eu tinha que ficar milionário se quisesse ter uma vida sexual decente.
Algum tempo depois eu conheci a Marcella Praddo, que foi uma das mulheres do cabeção, devo dizer que ele mandava bem… Será que ele leu o livro?
O Coelhinho da Páscoa e a Serpente do Mal
Quem assiste a um filme europeu hoje nas salas do Estação NET Rio em Botafogo, pode não saber que nos anos 80 e 90 aquele lugar exibia outro tipo de filme, menos artístico mas que proporcionava vários orgasmos aos seus espectadores, ali funcionava o único cinema pornô da Zona Sul do Rio de Janeiro.
O cinema, que não me lembro o nome, exibia filmes de sexo explícito 364 dias por ano.
O único dia que não passava filme de vuco-vuco era na sexta-feira da Paixão, nessa data o cinema exibia, religiosamente, um filme sobre a vida de Cristo.
Todos que moravam naquela região, que hoje é chamada de "Baixo Botafogo", sabiam desse curioso fato, uns diziam que o dono era muito religioso e outros que aquilo era pagamento de promessa.
Pedro não sabia disso, afinal Botafogo era uma novidade para ele, trabalhava no bairro há menos de seis meses.
Era recepcionista em uma clínica na Rua Bambina, bem perto do cinema, para onde ele ia toda sexta após o expediente.
Não ia só para ver os filmes, aliás o que se passava na tela nem era tão importante para ele, a sua verdadeira intenção era fazer sexo oral nos espectadores.
O esquema de Pedro era o seguinte: procurava alguém, que excitado pelo filme se masturbasse, daí ele sentava ao seu lado, caso o indivíduo não reagisse botando o pau para dentro da calça e se levantando, ele oferecia sua mão para masturbá-lo, para só depois se abaixar e chupar seu pau.
Podia chupar vários homens numa sessão, e o melhor, pelo preço de uma entrada de cinema.
Pedro não reparou que no letreiro do cinema estava escrito "Jesus de Nazaré", mas achou estranho quando o bilheteiro disse para ele que o filme já tinha começado, afinal filme pornô não tem sessão, pode entrar em qualquer hora que não muda a compreensão da história…
Após passar pela cortina de veludo que era usada para escurecer o cinema, viu que tudo estava diferente.
O cinema estava vazio, devia ter no máximo umas doze pessoas e tinha até umas três senhoras, que poderiam ser avós dele.
Não entendia o que estava acontecendo, precisou de mais alguns segundos para sacar que o cinema estava exibindo um filme religioso…
Pedro morava em Del Castilho, bem longe dali, como era feriado ele foi até Botafogo com a única missão de chupar um pau e vendo aquela situação, sentiu que podia ter perdido a viagem…
Cogitou ir embora, mas pensou que naquele cinema também poderiam ter frequentadores, que como ele, não sabiam que a programação tinha mudado naquele dia.
Pedro agia no escuro do cinema e praticamente não via os rostos de quem chupava, mas num ataque de otimismo ou desespero, acreditou ter reconhecido uma de suas vítimas.
Mesmo com o cinema vazio, sentou-se na poltrona ao lado daquele senhor de bigode que era sua única esperança e começou a encará-lo com um olhar sensual.
Alguns segundos depois o homem se levantou e foi sentar bem distante dali.
Pedro foi ao banheiro, olhou-se no espelho e contemplou uma grande tristeza, refletiu sobre o que fazia ali e desistiu de sua idéia inicial.
Como já tinha pago a entrada, decidiu ver o filme.
Quando sentou na poltrona, ouviu uma voz:
- Pedro!
Jesus, naquela imensa tela falava diretamente para ele:
- Pedro, venha comigo que eu lhe farei pescador de homens…
Pedro ouviu o que precisava, aquele gato de olhos azuis dizendo que se ele o seguisse, se tornaria um pescador de homens... e como Pedro queria homens!
Naquele momento ele se converteu ao cristianismo.
Daí Pedro pensou que se Jesus falou, estava falado, ele iria pescar um homem ali mesmo naquele cinema, com fé em Deus.
Seguindo seu instinto, sentou-se do lado de um cara com a camisa do Fluminense que olhava fixamente para a tela, o fato dele não ter se levantado era um sinal positivo...
Uns cinco minutos depois ele começou a roçar o braço no tricolor e como ele deixava, Pedro continuou sua saga até pegar no pau do sujeito.
O espectador que estava sentado duas fileiras atrás achou estranho ver aquela cabeça abaixando e sumindo no cinema...
Pedro chupava o pau do homem com vontade e com a fé renovada.
O homem, extasiado, começou a gemer de prazer.
Coincidentemente enquanto ele gemia, Jesus tomava umas chicotadas na tela.
Parecia que havia uma sincronia entre cada chibatada dada em Jesus e o gemido do tricolor.
Uma senhora, sentada algumas fileiras atrás, decidiu dar uma palavra de consolo para aquele homem que tanto sofria no cinema ao ver Jesus sendo maltratado daquela maneira.
A velhinha se levantou, sentou-se na fileira de trás dos dois e falou no ouvido do boquetado:
- Filho, não fique assim, Jesus morreu por nós, mas no final ele venceu e Ressusci…AAAAAAAAAAAAAAA!!!!!!!!!!!!
A velha vendo aquela cabeça subindo e descendo começou a gritar:
- LANTERNINHA! LANTERNINHA! POUCA VERGONHA! SAFADEZA!
Pedro ouviu a senhora gritando e tentou levantar a cabeça, porém a posição em que ele se encontrava favorecia o tricolor, que com o seu braço forte o empurrou de volta sussurrando:
- Continua, eu estou quase gozando, continua!!
Aquele cinema não tinha Lanterninha.
Lá de cima ouviu-se uma voz grave e com eco, que não era de Deus, mas sim do projetista:
- Vamos parar com a putaria! Hoje é dia de filme religioso! É só hoje porra, amanhã a sacanagem está de volta!
A Velha continuava xingando e proferindo palavras religiosas, Pedro acelerava o processo usando a mão para bater uma punheta bem rápida enquanto continuava chupando.
Mais gente no cinema juntou-se à causa da velhinha, inclusive com gritos de "chama a polícia", "safado" e até "Satanás".
Pedro se sentia no paraíso com aquela piroca na boca, mas sabia que quando levantasse a cabeça iria visualizar o inferno...
O projetista acendeu a luz no mesmo momento em que o homem gozou na boca de Pedro.
Quando se levantou, Pedro viu todos no cinema o olhando com reprovação, alguns com cara de nojo, talvez por terem reparado o esperma no queixo dele.
Enquanto Pedro corria para a saída do cinema, o homem que foi chupado argumentava que estava vendo o filme tranquilo e o diabo com sua "serpente do mal", veio lhe atentar …
- Serpente do mal! Serpente do mal! - gritava o tricolor tentando aliviar o seu lado, embora a serpente que tenha sido chupada tenha sido a dele.
Pedro saiu do cinema, era sexta feira da Paixão e as ruas estavam desertas.
A Copa de Copa
As histórias que Sula ouvia, de como era lindo chegar no Rio de Janeiro, não fizeram jus ao que ela viu, também pudera, não chegou na cidade pelo Santos Dumont e sim pela Rodoviária Novo Rio.
A viagem, desde Algodão de Jandaíra-PB, durou dois dias. Sula estava exausta, mas ganhou um novo ânimo ao rever sua prima Janayane (para facilitar a vida do escritor e do corretor ortográfico, vou chamá-la ao longo do texto pelo seu apelido, Jana) .
Se abraçaram fortemente e começaram aqueles papos de família, de reencontros. Pegaram um Táxi, outro ônibus seria maldade.
Chegaram no conjugado de Jana na Praia de Botafogo e embora o papo estivesse bom, Sula, morta de cansaço, acabou dormindo. A conversa mais séria ficou para o café da manhã do dia seguinte:
- Então prima…- Jana começou um assunto que já tinha sido encaminhado via WhatsApp - o trabalho não é fácil, mas vale pela grana e como você é muito bonita, acho que vai ganhar um dinheirão.
Jana explicou a situação atual do Rio de Janeiro, mais precisamente a de Copacabana.
Com a Copa do Mundo, a quantidade de gringos tarados atrás de brasileiras quadruplicou e não havia puta pra todo mundo.
Uma conhecida sauna de Ipanema estava com fila na porta e distribuindo senha para quem quisesse se divertir.
Copacabana, o paraíso da putaria brasileira, enfrentava um momento complicado, com centenas de gringos atrás de sexo e quase nenhuma menina livre para satisfazê-los.
Copacabana sem prostitutas é algo tão impensável quanto as Lojas Americanas sem ovo de Páscoa na Semana Santa.
Os valores dos programas subiram respeitando a velha regra capitalista de oferta e procura.
Diante da crise de mão de obra especializada, o mercado passou a não exigir experiência na área, sabendo disso, as prostitutas de Copacabana começaram a ligar para primas e amigas distantes para contar sobre esse novo Eldorado no Rio de janeiro, que tinha data e hora para acabar.
Jana sabia que Sula precisava de dinheiro, sabia da situação extremamente pobre em que sua família vivia no interior da Paraíba e como ela gostava muito da prima, decidiu falar a ela sobre essa oportunidade incrível.
Sula nunca se prostituiu, na cidade dela as as mulheres vendiam seus serviços sexuais por R$5 a R$10 e isso jamais a atraiu, mas quando Jana disse que ganhava até R$500 por programa, ela imediatamente se interessou.
- E ainda tem o lance cultural, de conhecer outras culturas - Jana argumentava.
- Só que eu não sei falar inglês- Disse Sula.
- Não tem problema, é muito fácil, eu te ensino.
E Jana começou a ensiná-la com um método diferente, mas que parecia ser bem eficaz:
- A primeira palavra que você tem que aprender em inglês é "Rândred", que significa cem, - Sula ia repetindo para melhorar a pronúncia - depois vêm os números de 1 a 9, "uân, tchu (igual ao Tchu tcha tcha), tri, fór , fáive, sícs, séven, êiti e náine".
Outra coisa que tem que saber é o nome da parte do corpo que você vai negociar, boceta é "pússi" e cú é "és", mas também pode dizer "êinal"
Daí é só juntar tudo e colocar a palavra "reais" no final da frase: "pússi fór rândred reais".
Sabe quando as pessoas nascem com um dom para ser professora?
Jana tinha esse dom.
- Deixa eu ver se entendi: "pússi é fáive rândred?"
- Perfeito Sú!
- Mas prima, deixa eu falar…eu nunca dei o cú e morro de medo…
- Relaxa, eu te dou uma pomadinha que vai te ajudar, gringo adora comer cú e pagam mais por ele…
- Beleza, mas como eu ainda sou virgem atrás, eu vou cobrar mil reais!! Como é que fala mil?
- "Atáuzend"
Depois de uns dois minutos tentando em vão pronunciar "a thousand", Sula decidiu que seu brioco estaria no mercado por 900 pratas.
Mas a preparação de Sula não poderia ser demorada, cada hora fora das ruas era dinheiro que não era ganho e a copa acabaria em 15 dias, depois disso a fonte secaria, ela hora dela entrar em campo…
Jana ainda tinha algumas orientações finais a dar, tirou uma folha de papel xerocada da bolsa e continuou:
- Sú, é o seguinte, esse aqui o mapa do mundo, quando você conhecer o gringo pede para ele dizer de onde é. - Daí, Jana pegou uma caneta e fez um círculo em volta de toda a América Latina e falou apontando para o papel - Se ele for de algum país daqui de dentro, saí fora.
Eles vão querer te pagar pouco, dar calote ou até querer que você dê de graça…
Corre também de brasileiro.
Mais um conselho:
- Sú, se você conhecer um africano não oferece o "êinal"
- Por quê?
- Normalmente eles têm pau grande e você ainda é nova no assunto…
- E como é que eu reconheço um africano?
- Pra simplificar faz o seguinte, se o cara for negão, é só na "pússi", ok?
- Ok
Depois Jana entregou uma nota de cinco dólares para Sula:
- Outra coisa, só aceita real ou essa nota aqui, que é o dólar, o dólar vale mais que o dobro do real, então se o cara te der 200 dólar ele tá te pagando mais que 400 reais.
Não aceite nenhuma outra nota além dessas, A Suellen achou que estava rica, quando recebeu uma nota de 20.000 de um gringo. Quando foi se informar sobre a nota, aquilo não valia nada, não comprava nem um sanduíche no McDonalds.
- Sú, agora é com você, eu sei que é difícil no começo, mas eu sei que você consegue!
E olhando nos olhos da prima deu a última instrução, aquela que celebraria o ritual de passagem:
-Muitas prostitutas têm dificuldade em ser chamada pelo nome por um completo estranho na hora do sexo, então se você quiser criar um nome para essa vida, eu acho que vai te ajudar…
- Eu serei Sasha! Igual à filha da Xuxa, sempre gostei e começa com "S" também!
E nessa altura do jogo da vida ocorre uma substituição, sai a paraibana Sula e entra Sasha, mulher do mundo.
Os leves traços indígenas de seu rosto em nada combinavam com o nome russo que ela mesma se deu, mas ela se sentia fortalecida com aquele que seria literalmente seu nome de guerra.
Não sei se foi intencional ou não, o fato é que a arena da FIFA em Copacabana, a chamada FIFA Fan Fest, ficava a pouco mais de 100 metros da Prado Júnior, a rua onde o "bicho pega" de noite.
Os moradores da área, vendo a quantidade de gringos que invadia a região, deram ao curioso acontecimento, de forma muito justa, o nome de "FIFA Fuck Fest".
O primeiro cliente de Sula, tinha bigode, era baixo, magro, aparentava ter uns 55 anos e levava uma bandeira do Irã enrolada no pescoço.
Eles começaram a se olhar e sorrir, ele pagou um guaraná para ela e tomou uma caipirinha, aproveitando que aqui, ao contrário de seu país, ele pode beber livremente.
O Iraniano tentou um diálogo em inglês sem sucesso, embora o método de Jana fosse bastante eficiente, Sula só teve uma aula.
Ela tirou da bolsa a xerox do mapa e segurou a bandeira do gringo, pedindo para ele apontar de onde vinha, ele apontou para o Irã, que para sua felicidade não estava naquela área circulada.
Ele falava, ela ria e essa situação ficou assim por um tempo, até que Sula tomou coragem e falou no ouvido daquele homem que entraria para a história de sua vida:
- " Pússi fór rândred, êinal náine rândred!"
O Iraniano sorriu fez o sinal de positivo e caminharam até um apartamento na Prado Júnior, onde tudo já tinha sido esquematizado por Jana.
O gringo ainda pagou mais R$150 para usar o quarto.
Menos de uma hora depois, os dois desceram do apartamento sorrindo, o sorriso dele era triunfal, como se tivesse sido o autor do único gol iraniano na copa.
Ela também sorria, mas o choque de ter se transformado oficialmente em prostituta ainda estampava em seu rosto uma certa perplexidade.
Sula, ou melhor Sasha, fez vários programas até o fim da Copa e ganhou uma grana que ela jamais achou que fosse ter, mas sentia falta da família.
Decidiu então voltar para casa e usar uma parte do dinheiro que ganhou para ajudar os pais.
Ela e a prima bolaram uma história para justificar aquela grana toda, diriam que Sula trabalhou na Copa servindo cafézinho e água para a FIFA.
Antes de ir embora Sula fez várias compras num shopping center da cidade, comprou também um tablet.
Chegou vitoriosa em sua cidade e logo se matriculou em um curso de inglês online, afinal ano que vem tem Olimpíada.
Fatos, Olfatos e e Míriam Leitão
Acho que nunca conheci um casal tão intenso, eles brilhavam quando estavam juntos, era como se todas as partes de seu corpo sorrissem em perfeita harmonia... e Lúcia e Estevão pareciam estar sempre em perfeita harmonia.
Mas nem todos os enxergavam assim, com os olhos do coração, havia uma corrente forte que os observava pelos olhos da "razão", e que constantemente repetia: "Eles não têm nada a ver..." .
Lúcia sempre foi a primeira da turma, fazia doutorado em economia na Federal do Rio de Janeiro e tinha aos olhos de todos um futuro brilhante, ela sabia disso.
Sua heroína era Míriam Leitão, sonhava em ser entrevistada por ela na TV, na verdade Lúcia queria "ser" Míriam Leitão.
Estevão ainda estava na graduação, estudava turismo numa faculdade particular muito pouco conceituada, mas foi para onde ele passou. Seu sonho era abrir uma pousada em algum lugar no sul da Bahia.
Parecia um conto de fadas e provavelmente foi assim por um bom tempo.
Os dois se bastavam e tudo ficava perfeito quando estavam sozinhos, só que as relações a dois não são tão "a dois" nesse mundo moderno…
Familiares e amigos de Lúcia começaram a dar pitaco na relação, com um discurso do tipo: "estarem preocupados com o futuro dela... de achar que Estevão, embora fosse uma pessoa legal, não servisse para ela…"
A ala feminina da família de Lúcia era a mais radical, os homens nada tinham contra o coitado do Estevão, pelo contrário, até gostavam dele.
A maioria dos colegas de doutorado de Lúcia também incentivava o fim da relação, os homens queriam comer Lúcia e Estevão era um obstáculo, as mulheres queriam dar para Estevão e Lúcia era um obstáculo.
Na verdade, a felicidade que os dois emanavam é que era um grande "obstáculo".
As coisas pioraram quando Estevão arrumou emprego em um albergue na Lapa.
Trabalhava de dia e estudava de noite, Lúcia também ia se envolvendo cada vez mais com o doutorado e durante a semana dificilmente se encontravam.
Com menos tempo com Estevão e mais tempo com o mundo, Lúcia sentiu a pressão e começou a fortemente questionar a relação.
Embora amasse Estevão, ela não admirava o estilo de vida dele, era difícil para ela apresentar aos amigos e professores do doutorado alguém que estudava numa faculdade merda e trabalhava na recepção de um albergue que nem fazia parte da Hostelling International.
Às vezes, ela sentia até uma certa vergonha dele…
Intimamente, ela pensava que Míriam Leitão jamais namoraria alguém assim, não imaginava Míriam indo pegar seu namorado de carro na Lapa…
Já Estevão, amava Lúcia do jeito que ela era e não via problema nenhum, mas já sentia que a família e os amigos dela estavam minando a relação.
Lúcia, depois de uma longa conversa com a avó, decidiu enfim terminar o namoro.
Foi até a quitinete de Estevão em Botafogo e começou a falar para ele o que achava que não funcionava na relação…
Mas existia uma química muito forte entre os dois, uma coisa de cheiro mesmo, de pele. Quando Lúcia se aproximou para falar que queria terminar, o olfato dela foi envolto pelos feromônios de Estevão e tudo mudou de figura, se beijaram e começaram a trepar por horas.
Na manhã seguinte Lúcia tinha desistido da idéia, ela amava loucamente aquele homem, por quê iria fazer aquilo?
O cheiro de cada um deixava o outro louco, era uma combinação rara, do tipo "uma em um milhão", os dois sabiam disso e Lúcia concluiu que não conseguiria terminar a relação pessoalmente.
As pressões do mundo sobre Lúcia, que foi criada para ser uma pessoa "vitoriosa" e consequentemente se casar e procriar com outro indivíduo tão ou mais "vitorioso", eram tantas que ela decidiu que iria terminar mesmo.
Terminou por e-mail, sem riscos de se entregar aos perigos do olfato.
Estevão tentou falar com ela, mas ela não atendia o telefone e ficaram separados por dois dias.
Quis o destino que se encontrassem na Lapa, Lúcia ia no show do Rappa no Circo Voador e enquanto estava na fila para entrar, esbarrou com Estevão que saía do albergue.
Quando eles chegaram perto um do outro a pele falou mais alto e se beijaram loucamente, aquilo era inegavelmente muito forte, maior que toda a lógica do mundo.
Como Estevão não tinha ingresso para o show, ele não entrou, mas decidiram voltar e se encontrar na manhã do dia seguinte...
A cabeça de Lúcia estava a mil, aquele homem a fazia feliz, mais feliz do que qualquer homem a fizera em sua vida, por outro lado sabia que aquela relação poderia afetar a sua carreira que estava em ascensão.
Era como se ela fosse viciada numa droga, que a tornava feliz e eufórica, mas que com o seu uso prolongado poderia lhe trazer consequências desastrosas ao longo da vida.
Bolou então um plano maquiavélico, escondeu de Estevão que iria viajar por um mês e pediu para sua melhor amiga deixar uma carta na caixa de correio dele no dia em que partisse.
Estevão leu a carta chorando enquanto Lúcia também chorava dentro de um avião a caminho de Recife…
Ela ficou um mês em Pernambuco, bebendo, berrando, chorando, rindo e se entregando a outros homens, ela era realmente uma viciada em crise de abstinência.
Quando Lúcia voltou ao Rio, tomou todo o cuidado do mundo para não encontrar Estevão, ficaram sem se ver por dois anos.
Quis o destino que eles se encontrassem numa exposição do CCBB, ambos com seus respectivos namorados.
Ficaram perplexos quando se olharam, meio que por inércia decidiram se cumprimentar com os tradicionais dois beijinhos.
Chegando perto de Estevão, Lúcia tremeu de medo de cheirar aquele cangote e todo aquele amor voltar… mas não, o cheiro de Estevão já não exercia mais o mesmo poder mágico sobre Lúcia e ela ficou feliz por isso.
Se despediram.
É uma história de amor que não deu certo, podia dar, podia ser como Eduardo e Mônica e tantas outras histórias de opostos que se atraem, mas essa não.
Eu conheci os dois e confesso que tinha uma ponta de inveja daquela magia toda, queria ela para mim (a magia, não a Lúcia) e fiquei triste por ter acabado, fiquei triste em ver que duas pessoas que se amavam não resistiram às pressões dessa sociedade moderna. O amor deveria ser maior e vencer tudo, mas não é bem assim…
Estevão não conseguiu realizar o sonho de ter uma pousada no sul da Bahia, a vida o levou mais ao norte e ele tem uma pequena, mas simpática, pousada em frente à praia de Maragogi- Alagoas . Ele se casou com uma argentina que um dia se hospedou lá. Eles têm uma filha.
Fui no casamento de Lúcia, ela se casou com um professor universitário super respeitado em sua área, que conquistou seu coração no momento em que disse já ter sido entrevistado por Míriam Leitão no seu programa de TV, não apenas uma, mas duas vezes...
O Vermelho de Toda Mulher
Era uma bunda maravilhosa, perfeitamente envolta por um vestido vermelho, curto o suficiente para trazer à tona os mais loucos desejos.
Aquele mulherão subia a rua deixando todos atrás dela babando, e como os ratos seguiam o Flautista de Hamelin, os homens passaram a seguir a bunda de Santa Teresa.
Em alguns minutos já podia-se observar uma pequena aglomeração subindo a ladeira. A "machalhada" segurava o o passo para não ultrapassá-la e perder aquela visão, quem vinha mais atrás acelerava para chegar mais perto e se você ficasse a menos de dois metros de distância, já conseguiria ver o contorno da pequenina calcinha...
Curiosamente quem descia a rua nem reparava na mulher de vermelho, devia ser um daqueles casos de mulher mais bonita "indo do que vindo".
No Brasil uma bunda dessas não têm sossego e era só questão de tempo até que alguém se aproximasse com algum galanteio barato.
O primeiro que teve a coragem de chegar, acelerou o passo, ficou lado a lado com ela e a abordou com um papo que eu não considero muito criativo, mas que pode até ser que funcione:
- Alguém já te disse que você é uma princesa?
Ela virou para ele, olhou em seus olhos e nada falou.
Aquela secada deve ter realmente afetado a autoestima do sujeito, que calado e com uma expressão de perplexidade no rosto, abandonou o grupo.
O coroa do meu lado disse:
- Deve ser tipo "Raimunda", feia de cara e boa de bunda…
Outro ainda emendou:
- Com esse corpo aí, se for feia eu boto a bandeira do Brasil na cara dela e como por amor à pátria!
O "patriota" foi o próximo a tentar algo, emparelhou com ela e nada disse além de um "oi", acompanhado de um sorriso maroto e de um olhar bem safado e cheio de segundas intenções...
No mesmo segundo a sua cara ficou branca e seu corpo parou ali mesmo, enquanto a procissão seguia rua acima.
No momento em que passei do lado dele, o ouvi balbuciando baixinho:
- Um bigode…igual ao meu…
Aquela gostosa tinha um bigode, e se fosse realmente igual ao dele não era um "bigodinho", era um bigodão, tipo o do Rivelino.
Não conseguia conceber aquilo e comecei a achar que era um travesti...
Não vou perder meu tempo indo atrás de um travesti - pensei.
Mas a curiosidade falou mais alto e continuei a seguir a "dama de vermelho".
Um senhor de terno chegou com uma abordagem que há muito tempo eu não ouvia:
- Ô meu docinho de côco, quer que eu te carregue nos braços nessa ladeira?
Acho que deu para ouvir ela dizendo "não", ou pode ter sido apenas impressão minha, o fato é que o cara começou a chorar…
Aquilo me deixou chocado, seria ela uma mulher horrível, uma mulher com alguma doença como a do filme "O Homem Elefante", ou apenas um travesti desleixado e com um bigodão?
Fui consolar o cara que estava chorando:
- Não fica assim não, têm mulher que é assim mesmo, têm mulher com bigode…
- Bigode?- ele me respondeu- ela não tem bigode nenhum…- e continuou a chorar.
Eu estava ficando louco com aquela situação e quanto mais subíamos a rua menos homens restavam naquela perseguição.
Eu pensei em duas opções, uma era abandonar aquilo e voltar ao meu caminho original, tendo para sempre em minha memória aquela bunda maravilhosa… e a outra era esperar uma chance de ver o rosto dela, correndo o risco de ficar traumatizado pelo resto da vida.
O meu ascendente em gêmeos não me deixa tomar decisões rapidamente e enquanto eu pensava nessas opções, continuava minha subida ladeira acima.
Um a um, a "deusa" ia perdendo seu fiéis…e quando dei por mim, estávamos apenas nós dois.
Nesse momento ela finalmente chegou no portão da casa onde mora, bem no fim daquela rua que parecia não ter fim.
De alguma forma ela sabia que só uma pessoa estava ali, então pela primeira vez naquela tarde ela se virou…
O que vi me chocou, lá estava um careca bem parecido comigo, inclusive vestia a mesma camiseta do Jimi Hendrix que eu usava…
Ela demorou alguns segundos para abrir o portão e como eu tive mais tempo do que os outros para observá-la, concluí que aquele cara não era apenas parecido comigo, era eu mesmo!
Então eu falei:
- Espere! O que está acontecendo? Por quê eu me vejo em você?
- Porquê você está olhando para um espelho… - ela respondeu, para alguns segundos depois continuar:
- Sempre que eu ando pelas ruas sou assediada de mil formas , muitas delas deselegantes e humilhantes. Já fui xingada por não corresponder aos desejos dos homens, alguns chegaram a me puxar pelo braço, um quase me estuprou.
A minha liberdade não é tão livre assim….talvez se eu fosse feia…mas aí eu sofreria de outra forma, afinal a nossa sociedade é machista…
Cheguei até a mudar o meu jeito de vestir, mas os insultos continuaram… eu chamo de insultos, porque me insultam , não me interessa se para quem me insulta isso seja outra coisa.
De um tempo para cá decidi andar com um espelho em meu rosto, para que a pessoa que se aproxima se veja refletida ali, para que repare o quanto ela é cruel e desrespeitosa comigo e com todas as mulheres quando age dessa maneira.
A maioria das pessoas quando se vê nessa situação me deixa em paz, talvez até não estejam em paz consigo mesmas, mas isso não é problema meu….
Agora se você me der licença eu tenho que entrar….
- Claro - eu respondi, estava tão perplexo que não conseguia pensar em nada mais para falar naquele momento.
Depois que ela entrou me veio à cabeça que eu deveria ter pedido desculpas, mas já era tarde.
Na subida para a casa dela reparei que tinha um pé-sujo, voltei lá e pedi uma cerveja em garrafa e um pacote de amendoim, já que os petiscos não pareciam nada confiáveis.
Pensei bastante naquela situação e no último copo de cerveja fiz um silencioso brinde àquela mulher, que embora eu não tenha visto seu rosto, é por sua coragem e ideal uma das mulheres mais lindas que conheci na vida.
*** Texto livremente inspirado numa fantasia do carnaval de rua do Rio de Janeiro de 2015.
A Bela Adormecida
O sorriso do senhor de cabelos brancos do outro lado do balcão era o sinal que Sandro esperava:
-Oi, meu nome é Sandro e eu adorei o seu sorriso, acho que ele me convidou para sentar ao seu lado!
Aquela aproximação aparentemente inocente poderia ser o início de uma história de amor como tantas outras, mas não seria…
O senhor grisalho, que aparentava ter uns 60 anos, se identificou como Walter e encantou-se rapidamente com o corpo sarado e a jovialidade de Sandro.
Conversaram futilidades por quase uma hora, tempo maior do que Sandro esperava pela chance de colocar GHB no drink do coroa, chance que foi devidamente aproveitada quando Walter foi ao banheiro.
Tudo caminhava para ser apenas mais um roubo, mais um caso de "Boa noite, Cinderela", mas não seria…
Sandro, hoje é um rapaz de classe média baixa, mas já viu dias melhores em sua vida, chegando até a cursar Administração de Empresas na PUC.
Quando seu pai morreu teve que trancar a faculdade por não conseguir mais pagar as mensalidades, foi um baque emocional e social para ele e sua família.
Após abandonar os estudos, começou a trabalhar como vendedor em lojas de roupa no Rio Sul, mas o dinheiro não o satisfazia e descobriu que era possível ganhar mais frequentando as boites gays do Rio de Janeiro.
Saíram abraçados do bar, Walter já estava meio grogue e se apoiava no corpo musculoso de Sandro.
Walter não foi de carro por causa da Lei Seca e completamente sem noção do que acontecia acabou falando seu endereço para Sandro, daí então pegaram um táxi.
O motorista, achou aquilo estranho e sacou logo que era algum golpe do tipo "garotão pegando bicha velha", mas ele não tinha nada a ver com a situação.
O mesmo pensou o porteiro do prédio de Walter, que chegou a esboçar um cumprimento não respondido pelo morador.
- Eu sou o sobrinho dele, ele bebeu demais num aniversário de família... - disse Sandro para tranquilizar o porteiro.
Walter não conseguia mais andar e Sandro o carregava pelos braços quando eles entraram no apartamento.
Assim que passaram pela porta, Sandro jogou aquele corpo anestesiado no sofá e disse:
-Então sua bicha, agora você vai dormir um pouquinho e eu vou fazer a festa em sua casa…
O apartamento, um dois quartos em Copacabana, era muito bem cuidado, cada detalhe remetia à alguém extremamente caprichoso.
Sandro começou a olhar em volta para ver o que roubaria, o aparelho de Blu-Ray foi a primeira coisa que lhe interessou.
Continuou a procurar por outros itens, quando de repente viu num porta-retrato alguém que lhe era familiar...
Quando chegou mais perto, reparou que aquele homem abraçado com Walter na foto, não era nada mais nada menos que seu pai!
Que coincidência! - pensou Sandro.
Em outro porta-retrato lá estava de novo seu pai, tomando champanhe com Walter.
E em outro estavam no desfile do Salgueiro.
Eles se conheciam da onde? Qual era o grau de amizade entre eles? - Sandro se questionava.
Pelas fotos eram bem próximos.
Sandro perdeu o pai quando tinha 19 anos, mas ele não se lembrava da figura e nem do nome de Walter.
Daí, como se uma faca o apunhalasse no peito, Sandro pensou na possibilidade de seu pai ter tido um caso com Walter, de seu pai ser homossexual…
Preferiu esquecer essa idéia e um drink ajudaria, se dirigiu ao bar que tinha no apartamento e lá viu uma garrafa de Southern Comfort, bebida favorita do pai, e que pelo visto Walter também curtia.
Sandro se serviu de um Johnnie Walker Red sem gelo e da sala seguiu para o quarto.
Começou a vasculhar o quarto de Walter e na gaveta da mesa de cabeceira encontrou um Rolex, desconfiou que era por ali que se escondia o que de mais valioso haveria na casa.
Achou também uma pulseira de ouro e umas fotos guardadas nessa mesma gaveta.
A curiosidade fez com que ele visse as fotos, algo que ele se arrependeria pelo resto da vida…
Seu pai aparecia em várias delas, sendo as polaróides as mais explícitas.
Quem é mais novo pode não saber, mas antes do surgimento da câmera digital as pessoas tinham que mandar revelar as fotos em laboratórios e poucos tinham coragem de mandar revelar, digamos assim, as fotos mais "quentes" , uma vez que as pessoas do laboratório iriam vê-las. A máquina Polaroid era um sucesso para essa finalidade mais "erótica" da fotografia, a foto, embora sem tanta qualidade, se revelava na hora.
Em várias daquelas fotos os dois apareciam sem roupa e se beijando, uma delas foi mais do que reveladora para Sandro, a que Walter, ainda sem os cabelos todos brancos, segurava e chupava o pau de seu pai.
Não havia mais nenhuma dúvida para Sandro, seu pai namorou Walter.
Aquilo foi demais para ele, deitou-se na cama e começou a chorar, sentia-se culpado por estar ali e achou que aquela descoberta era uma punição divina pelas suas atitudes.
Era como se o próprio pai dele o castigasse e ele teria que viver com aquele fantasma.
Foi até a geladeira e preparou um sanduíche. Pela cozinha americana observava o corpo de Walter de bruços, chapado e babando no sofá.
Olhou para aquela bunda no jeans branco, pensou em seu pai comendo aquela bunda… o pau de seu pai, aquele pau que para Sandro era sagrado, que só deveria entrar no corpo de sua mãe, o mesmo pau por onde ele passou quando ainda era um espermatozóide…
Quanto mais tentava tirar esses pensamentos loucos da cabeça, mais eles pareciam presentes.
A idéia de que Walter poderia também ter comido seu pai era ainda mais estarrecedora.
Sandro, não entendia o que sentia olhando para aquele corpo deitado à sua frente.
Se por um lado sentia raiva de Walter por ter mudado a visão que tinha de seu pai, aquele imagem de homem másculo que foi campeão de Judô e que ensinava com afinco a luta ao filho não existia mais… por outro lado, Sandro, que era filho único, não podia odiar alguém que parecia ter feito seu pai tão feliz.
Ficar naquela casa era assustador e confortante ao mesmo tempo, mas Sandro sabia que não poderia demorar muito ali.
Recolocou o Blu-Ray, o Rolex e a pulseira de ouro onde estavam, lavou a louça e tudo que usou, não queria deixar pistas, queria que Walter pensasse que bebeu demais, passou mal e alguém o levou em casa, que nada além disso aconteceu.
Mas Sandro também não morria de amores por Walter, ainda sentia uma certa raiva e não resistiu à crueldade de levar todas as polaróides em que seu pai aparecia, deixando apenas as fotos mais comportadas e as que estavam nos porta-retratos da sala.
Talvez demorasse algum tempo para que Walter desse pela falta das fotos.
Talvez ele preferisse ter perdido o Rolex, o Blu-Ray e todos os bens materiais que ele poderia comprar novamente ou desapegar-se ao longo da vida, do que aquelas fotos.
Sandro deixou o apartamento com algumas fotos no bolso e muitas questões na cabeça...
Olha Que Coisa Mais Linda
A minha velha secretária eletrônica piscava eufórica quando cheguei em casa, eu tinha uma nova mensagem:
-Oi Amu, aqui é Marlene Dior, apareceu um trabalho pra gente na semana que vem, uma apresentação no concurso "Garota de Ipanema". Preciso saber se você pode na quarta, me liga quando puder para a gente conversar.
"Garota de Ipanema"! Deus é grande!
Fui dormir feliz da vida, já pensando nas meninas de biquíni.
Marlene é uma cantora lírica que estava se aventurando na MPB e era recém-chegada ao Rio. Tocamos juntos numa canja, naquele dia o som rolou bacana e dei o meu cartão para quando ela precisasse de violonista.
No dia seguinte eu ligo:
- Oi Marlene, vi sua mensagem e eu posso sim tocar na quarta que vem. Como será o esquema do Garota de Ipanema?
- Oi Amu, que bom que pode! Mas você entendeu errado, é "Garoto" de Ipanema.
- Garoto?????? Existe isso?
- Parece que agora existe…A gente vai tocar três músicas enquanto os jurados escolhem os classificados para a grande final, essa é a última etapa classificatória, o vencedor ganha uma moto.
Como dizia John Lennon: "O sonho acabou", eu só não sabia que aquilo seria o início de um pesadelo…
Ela me passou os detalhes, o cachê não era bom mas seria uma apresentação curta num dia em que eu não trabalharia, estava valendo.
Combinamos as músicas por telefone, eu iria de terno e gravata e ela de longo.
Um evento desse porte só poderia acontecer no mítico e erótico bairro de Copacabana.
Cheguei ao Clube Olímpico e na porta encontrei Marlene. Ela ainda não estava devidamente trajada para a performance, para facilitar minha vida eu já tinha ido de terno.
- Boa noite, vocês são os músicos? Os camarins ficam ali na frente, à esquerda o feminino e à direita o masculino.
Marlene seguiu apressada para se trocar e maquiar, típico da maioria de cantoras "diva style" da MPB.
Eu caminhei então para o camarim masculino e quando abro a porta me deparo com 20 homens de sunga passando óleo uns nos outros!
Aquilo era como uma visão do inferno para mim, embora eu saiba que para muitos aquilo poderia ser o paraíso...
Os "Garotos de Ipanema" me olharam com uma estranheza do tipo: o que esse careca de terno está fazendo aqui? O estojo do violão esclarecia a situação.
Eu realmente não me senti à vontade naquele local, deve ter sido aquele cheiro de óleo...era muito forte…
Daí eu falei com o rapaz da produção que ficaria em uma mesa na platéia e quando chegasse a hora de tocar, subiria ao palco.
O evento se inicia, e um a um os candidatos desfilam com seu respectivo número na sunga.
O público era composto mais ou menos nessas proporções: 20% de gays e 80% de Coroas Taradas de Copacabana.
As Coroas Taradas de Copacabana ( CTC ) normalmente tem mais de 50 anos, são loiras e usam roupas que não ficam bem nelas, deixando as gordurinhas e pelancas à mostra.
A cada "garoto" que desfilava a platéia enlouquecia, berrando, gemendo, era um orgasmo coletivo.
Após o desfile, os garotos desceram do palco e ficaram entre os convidados, que agora poderiam apreciar seus dotes de perto.
Enquanto isso a apresentadora falava sobre o evento e sorteava algo relacionado aos patrocinadores do concurso. Depois disso seria a música.
Dei a sorte de ficar entre as mesas da "G Magazine" e a de uma sauna gay.
Nesse período em que os meninos estavam entre os convidados, os representantes da "G" chamaram dois "garotos" para a mesa, para conversar sobre a possibilidade de posarem nus. Levaram até alguns exemplares da revista para mostrar a seriedade do trabalho. Provavelmente aqueles meninos apareceriam lá numa edição futura, mas acho que isso dependeria do tamanho do pau deles, graças a Deus os caras não pediram para ver o pau dos caras ali na hora, porque em Copacabana isso poderia ter acontecido tranquilamente.
Do outro lado, a humanidade se degradava um pouco mais…
Os caras da sauna gay chamaram uns 5 ou 6 meninos, um de cada vez e sempre com o mesmo discurso:
- Boa noite, a gente administra uma sauna gay, para homens de alto nível, já vou adiantando que o dinheiro é muito bom, você se interessa?
Eu esperei que alguém ficasse revoltado com aquela oferta, falasse que não vendia seu corpo e que se sentia ofendido com aquilo, mas não, todos os rapazes disseram que topariam se prostituir sem problema algum e colocaram o cartão da sauna na sunga para ligar depois.
Talvez tenha sido a parte da frase "o dinheiro é muito bom…"
Finalmente chega a hora de subir no palco e acabar com esse sofrimento.
Tudo tranquilo na primeira música, já na segunda... a Marlene vira para mim e fala:
- Amu, a voz não está vindo!!!!!
- Canta!!!!!
- Não dá, não está vindo…
- Calma...CANTA!!!!
- Daí ela me olha com uma cara triste e começa a rodar que nem uma maluca no palco, deixando o seu cabelo grande tipo Maria Bethânia encobrir seu rosto branco.
Sem saber o que fazer naquela situação, eu começo a improvisar uma linha de violão solo enquanto ela ficava rodando igual barata tonta. Seria aquilo algum tipo de dança?
Não sei se a voz da Marlene sumiu por algum motivo relacionado ao famoso "medo de palco" ou se foram aqueles "homens oleosos, fortes, com a sunga colada para valorizar o pau" que fizeram aquilo com a coitada.
O fato é que ela ficou tensa, e como eu não a conhecia, não sabia se aquilo era normal.
A terceira música foi "Manhã de Carnaval", eu fiz violão solo a música toda esperando que a voz dela voltasse, o que não ocorreu... no meio da música ela me apresentou fez uma reverência à platéia e saiu do palco, tive que terminar a apresentação sozinho.
Eu nem tinha acabado de sair do placo quando os 5 finalistas foram anunciados.
Após o resultado, uma CTC bêbada e insatisfeita com os jurados sobe ao palco:
- O júri não entende nada, o mais bonito é o número 12!
Daí o número 12, que era forte pacas, típico pitboy, pega o microfone:
- Estão vendo, mulher é que entende de homem, esse júri só tem viado e viado não entende de homem, viado só entende de viado!!!!
Não sei se a CTC era mãe dele, ou se ele a comia, ou as duas coisas, afinal estávamos em Copacabana...
Rolou um princípio de confusão nessa hora, mas eu já estava indo embora.
Já fora do clube, Marlene veio se desculpar comigo pelo acontecido, me pagou e deu um abraço forte.
Depois desse dia nunca mais vi Marlene Dior.
Neofiblastáse Genética
Rodolfo viajou preocupado, não queria deixar Julia sozinha.
Julia estava há dois meses com uma alergia estranha, já tinha ido a três dermatologistas e nenhum chegou a um diagnóstico preciso sobre o caso dela, receitaram algumas pomadas que até aliviaram um pouco a coceira e a vermelhidão da pele, mas a cura parecia ainda algo distante.
Já em São Paulo, no meio de sua reunião de trabalho, Rodolfo recebe uma mensagem de Julia no celular lhe tranquilizando e dizendo que a coceira tinha parado e ela estava muito melhor.
Em três dias ele estaria de volta para constatar esse fato.
Quando retornou, Rodolfo se sentiu aliviado ao ver Julia quase sem nenhuma marca na pele, comemoraram a novidade com muito sushi e sexo.
Mas na manhã seguinte Julia voltou a se coçar e o casal se abateu novamente com aquela situação.
A crença na medicina diminuiu ao ponto de buscarem a cura até com um pai de santo, mas nada resolvia…
O novo trabalho de Rodolfo fazia com que ele viajasse cada vez mais e embora ele ficasse sempre preocupado em deixar Julia sozinha, coincidentemente eram nesse períodos que a pele dela melhorava.
Levaram esse fato ao dermatologista mais caro do Rio de Janeiro e ele aconselhou que Rodolfo suspendesse todos os produtos que usava para a pele, desodorante, sabonete, creme de barbear, enfim, qualquer coisa que ele passasse em sua pele e que pudesse provocar uma reação alérgica em Julia.
Rodolfo não usou nenhum produto químico em sua pele por uma semana, nem desodorante, o coitado fedia no calor do verão carioca.
Feito isso, o dermatologista mais caro da cidade, ainda em dúvida, levou o caso para ser estudado pelos seus companheiros da American Academy of Dermatology e após muita pesquisa eles chegaram à conclusão de que Julia sofria de uma doença rara chamada Neofiblastase Genética.
Traduzindo, Julia era alérgica a Rodolfo.
O médico explicou que por alguma razão ainda desconhecida pela medicina, Julia se tornou alérgica à genética de Rodolfo e que ao contato de suas peles o organismo dela gerava uma reação inflamatória, como uma forma de autodefesa.
Até agora não se descobriu a cura para essa doença e nenhum caso regrediu espontaneamente.
Julia e Rodolfo puseram-se a chorar abraçados, um abraço apertado que era necessário naquele momento, mesmo sabendo que esse abraço iria aumentar a coceira.
Pesquisaram na internet e quase nada acharam sobre Neofiblastase Genética.
Decidiram que iriam dormir em quartos separados até acharem uma solução.
Mas só de habitar o mesmo teto a coceira continuava.
Evitando o contato direto entre eles foi possível estabilizar os sintomas da doença em um nível mais aceitável, mas ainda existia um grande incômodo e eram visíveis as marcas em Julia , o que a impossibilitava de voltar a ter uma vida normal.
Foi doloroso o momento em que decidiram que iriam morar em casas diferentes.
Se comunicavam todo dia por Skype, e faziam sexo virtual pela tela, um se masturbando de cada lado, Rodolfo chegou a chorar de alegria ao ver na tela a pele branca e nua de Julia sem nenhuma mancha vermelha.
O sexo virtual ajudava, mas não resolvia, faltava a penetração e Julia lembrou-se de ter visto quando era criança um filme com o John Travolta, onde ele era um menino que vivia numa bolha e não podia ter contato físico com ninguém.
Ela falou que se Rodolfo se envolvesse todo em plástico e usasse camisinha não teria problema eles terem relação sexual.
Embora achasse estranha a idéia, Rodolfo logo se interessou, ele amava Julia e estava louco para tocá-la, seria como antes deles se casarem quando ainda usavam camisinha nas relações, só que agora a camisinha envolveria o corpo todo de Rodolfo.
Rodolfo comprou vários rolos de plástico filme de PVC e se enrolou neles da cabeça aos pés, se sentia como Robert Downey Jr. quando veste a armadura do homem de ferro, nesse caso Rodolfo era o homem de plástico.
Colocou a roupa por cima de todo aquele plástico e foi para sua antiga casa. Cumprimentou o porteiro que o olhou estranhamente e tocou a campainha, quando Julia disse para ele entrar ele finalmente colocou o plástico na cabeça, só deixando dois buracos no nariz para respirar.
Começaram as carícias, Julia com a pele branca e lisa e Rodolfo todo encapado, deve ter sido uma cena estranha, mas o amor faz a gente fazer cada coisa…
Finalmente conseguiram a penetração, Julia estava sendo comida de quatro quando ela ouve Rodolfo resmungar algo estranho pelo plástico, ela vira o rosto e vê que Rodolfo estava todo vermelho, se sufocando, os buracos que eram para estar alinhados com as narinas saíram do lugar e grudaram na sua pele suada.
Para salvar a vida de Rodolfo, Julia rasgou o plástico do rosto dele e só assim ele pôde respirar novamente.
Naquele momento eles se olharam fixamente e naquele olhar estava a constatação de que eles não poderiam fazer nada para contornar aquela situação…
Embora eles se amassem muito, duas semanas depois desse fato decidiram se separar.
Julia se sentia culpada e procurou o Dr. Boris, um terapeuta freudiano, para trabalhar esse fato na sua cabeça.
De início o Dr. Boris achou que Julia era completamente pirada, um caso claro de psicose e receitou alguns remédios faixa preta que derrubariam até o Bruce Lee.
Só depois de dois meses, quando ela mostrou o diagnóstico do dermatologista mais caro do Rio de Janeiro, é que ele acreditou.
Nessa altura, talvez pela tal da "transferência" ou talvez pelo estado Zen em que Julia se encontrava, proporcionado principalmente pelos comprimidos, Julia já estava perdidamente apaixonada pelo Dr. Boris, que diga-se de passagem não foi só um terapeuta para ela, era também um pai e um traficante, tudo ao mesmo tempo.
Já Rodolfo, está bebendo bastante para suportar essa história toda, ele ainda ama Julia.
Um Conto de Natal
Não sei dizer ao certo a minha idade naquela noite de natal, eu podia perfeitamente ter seis ou oito anos.
Já tinha passado algum tempo desde que abrimos os presentes, todos estavam se divertindo na sala, mas eu não, eu não tinha curtido o "Pega-varetas" que ganhei.
O "Pega-varetas" era um brinquedo muito popular nos anos 80, nunca soube a razão dessa popularidade, provavelmente era por ser barato.
O fato é que eu não estava muito alegre com aquelas varetas coloridas…
Meus irmãos mais velhos pareciam estar todos contentes com o que tinham ganhado e meio que se esqueceram do "pirralho com varetas coloridas" .
Meu pai, percebendo a minha solidão e tristeza me disse:
- Venha cá filho, eu vou te ensinar um jogo!
Eu fiquei extasiado, a minha relação com o meu pai era bem distante, ele me teve com 56 anos e já estava meio debilitado para correr atrás de mim, raramente brincávamos.
Sentei na mesa, ele pegou um copo vazio e encheu de água.
Depois ele pegou uma rolha de uma das garrafas de vinho e colocou no copo.
- Filho, o jogo é o seguinte, você não pode deixar essa rolha ficar acima do nível da água, mas para fazer isso você não pode usar as mãos, só a língua.
Achei bem diferente, nunca tinha visto uma brincadeira que usasse a língua, mas era meu pai e eu estava super feliz de brincar com ele.
Comecei a dar "linguadas" na rolha, não deixando ela levantar de forma alguma.
Quando estava com a cara enfiada no copo ouvi meu tio Almôndega falar:
-Esse menino vai ser craque!!!
Me enchi ainda mais de orgulho.
Uns quinze minutos depois meu pai passou a mão na minha cabeça e disse:
-Parabéns filho, muito bom, agora vai dormir que é tarde…
E fui dormir feliz da vida.
No natal do ano seguinte eu mesmo peguei a rolha e lembrei ao meu pai do jogo.
Minha mãe tinha um olhar de reprovação que eu não entendia…
Depois de um tempo ficou meio que uma mania minha, quando meu pai abria uma garrafa de vinho eu pegava a rolha para brincar do "jogo da rolha", mesmo que não fosse natal.
Mas quis o destino que para o meu pai não houvesse mais natal...
Depois que ele faleceu simplesmente o jogo perdeu a graça, nunca mais joguei, o Playstation que ganhei também ajudou a mudar isso.
Na adolescência, a época que a gente confronta os pais, eu descobri que o "jogo da rolha" não existia, que meu pai estava bêbado de vinho e como viu que o filho mais novo dele não curtiu o presente tosco que ele deu, ficou com pena do moleque e inventou essa estória.
Essa revolta da adolescência fez com eu esquecesse completamente da rolha.
Até que um dia …
Não sei dizer ao certo a minha idade naquela noite, eu podia perfeitamente ter dezenove ou vinte anos.
Era uma das minhas primeiras experiências sexuais não pagas.
Ela era mais velha que eu e em determinado momento colocou minha cabeça entre as suas pernas e disse:
- Chupa!
Tive um pouco de receio, mas fui lá com vontade e depois de alguns minutos ela começou a berrar:
- QUE LÍNGUA É ESSA!!!!!EU NUNCA VI NADA IGUAL!!!!!!!AHAHAHAHAHAHA!!!!!
Naquele momento as memórias de meus natais distantes voltaram rapidamente, e como voltaram…
Lembrei me de meu pai, mas não muito porque isso poderia amolecer meu pau, que como um verdadeiro sábio me ensinou uma valiosa lição, que eu só compreenderia anos depois.
Depois que gozei, acendi um cigarro e pensei:
- Meu pai era foda!
Feliz Natal para todos!!!!!